Como evitar o bolsovírus

Foto: Reprodução da internet

Cuidado. Há no ar e nas redes o perigo de uma contaminação crescente de ignorância, alienação, truculência e cinismo

O foco do bolsovírus (BoV) é o Palácio do Planalto – e também o da Alvorada. Há suspeita de hospedeiros intermediários em condomínio da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O BoV é uma ampla família de vírus à qual pertencem as cepas que causaram nos EUA o trumpvírus e o olavírus.

Como se prevenir? Evite abrir mensagem de cunho pessoal do WhatsApp do presidente da República, de seu guru Olavo de Carvalho ou dos Irmãos Metralha. Se abrir, não compartilhe. Se compartilhar, pode estar contribuindo para um estado de emergência que escapará a seu controle, como cidadão íntegro, racional, democrata e pacífico. Evite também o Instagram desses propagadores. Eles estão aqui de passagem. Você quer sobreviver, não?

Quais são os principais sintomas? O entorpecimento da razão. O ódio pulsando na veia e no riso. O descontrole. Delírios persecutórios contra moinhos de vento. O autoengano. Achar que capitão manda em general. Imaginar que a bandeira brasileira pertence a um político, ou representa uma ideologia. Confundir o povo com a claque. Espalhar fakenews e infâmias. Manipular a fé. Apelar compulsivamente para palavrões, piadas sexuais e gestos indecorosos.

Atenção: a pessoa infectada começa a fazer sinais de armas com as mãos, dar bananas e agir de maneira egocêntrica e hostil. Compara os juízes do Supremo a hienas. Investe contra a Constituição. Insulta os presidentes da Câmara e do Senado. Confunde ai, ai, ai com AI-5.

Alguns casos foram erradicados no Brasil. Houve um secretário que se fantasiou de Goebbels e foi defenestrado com pesar por quem prefere o chapéu de duas pontas de Napoleão. E ainda não era carnaval. Deve estar numa quarentena. Outros casos detectados, que trocam ss por c e fingem ser Gene Kelly, em breve dançarão e serão confinados em universidades públicas. Contraprova do Enem é que não falta. Está na mira da OMS quem considera a Terra plana.

A corrida por máscaras não se justifica, dizem especialistas. Li no “Globo”. Na verdade, muitos disseminadores do bolsovírus já tiraram a máscara. Outros estão por aí disfarçados. Não aperte a mão deles! Mas converse! Ainda não há motivo para a população entrar em pânico, dizem os médicos. Não tenho mais tanta certeza disso.

Não conhecemos bem o vírus para saber se vai sofrer alguma mutação e evoluir para algo mais grave. O mais grave a gente conhece de outros carnavais. A ditadura, a desordem, as torturas, a perda da liberdade, a bancarrota da civilidade. Ainda não há vacina contra o bolsovírus, achávamos que o Brasil estava vacinado. O surto faz eclodir um mal insidioso: o medo.

Quando um caso perdido que mora em Virginia, EUA, roubou há dias uma canção dos Titãs, “O pulso”, para ilustrar uma montagem de alto teor de infecção, com ofensas indizíveis a personagens da República, os músicos protestaram e acionaram o doente para retirar o vídeo do ar. A advogada dos Titãs me pediu que eu não publicasse nada. Ela queria evitar “a reação virulenta dos bolsonaristas”. Não pude crer que uma banda símbolo de rebeldia tivesse contraído o medo. Mas o titã Tony Bellotto desautorizou o pedido. Autocensura, não.

Enquanto, no coronavírus, se recomenda lavar as mãos com água e sabão, no bolsovírus é essencial lavar a boca com água e sabão, pensar com autonomia e teclar com moderação. A mão deve ser colocada na consciência. Em nome do Brasil.

Jornalista, mestrado em Ética na imprensa. Foi repórter, editora, diretora de redação, correspondente em Londres e Paris.

Artigo publicado originalmente no jornal O Globo

 

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