Bolsonaro, censura, perseguição digital e auto segurança em tempos de fascismo

por Coletivo Mariscotron

Foto: Reprodução da internet

Que o governo de extrema direita de Jair ‘O Coiso’ Bolsonaro enaltece o fascismo (que não é de esquerda!), a ditadura militar, os cortes na previdência dos trabalhadores e nas modificações das bases educaionais, não é novidade. Mas há ainda muito o que se preocupar. Com um governo repleto de militares, mais dos que os da época da ditadura, uma Polícia Federal que mais se assemelha à Gestapo, o governo esconde que a famigerada lei antiterrorismo que Bolsonaro quer aprovar, criminilarizará os movimenos sociais e todos que resolvam questionar seus direitos. Mas há ainda muito o que se preocupar. A segurança digital, que eu e você, usamos todos os dias quer seja pelas redes sociais ou no google, pode estar em risco.

Nossa equipe conversou com os caras do Coletivo Anarco Tecnológico Mariscotron, durante o evento ‘CriptoTrem 2019’, ocorrido em Belo Horizonte.

P: O ativismo de vocês é na rede (internet) ou vocês possuem um ativismo combativo?
R: Na rede, apenas divulgamos materiais e replicamos notícias. Nossa principal atuação é diretamente com as pessoas que buscam melhorar suas práticas de segurança. Um pouco mais rara é a produção de livros e zines.

P: Vocês se consideram hackers, ativistas digitais ou militantes?
R: Se considerarmos hacker a pessoa que quer entender a fundo como softwares, sistemas e equipamentos funcionam e, caso deseje, faça modificações ou testes, então sim, somos hackers. Trocamos muito conhecimento e também aprendemos a aprender por conta própria. Mas junto a isso, temos que ressaltar nossa posição política: somos anarquistas e estamos construindo o tempo todo formas de aumentar nossa autonomia social. Privacidade e solidariedade precisam andar juntas.

P: O q vocês pensam sobre a importancia ou trabalho da mídia alternativa?
R: A mídia independente sempre ocupou um papel central no ativismo, através da difusão de ideias, chamados para ações, denúncias e reflexões sobre as lutas sociais. Este papel é histórico, e acompanha o advento das novas tecnologias de cada época, desde a imprensa operária no início do século, as rádios livres, e com a Internet iniciativas internacionais e federadas como o Centro de Mídia Independente. De certa forma, também atuamos como mídia independente, pois produzimos, traduzimos e divulgamos materiais focados em tecnopolítica.

P: Vcs acham que a mídia alternativa tem sido hackeada pelo governo ou tem sofrido coação?
R: Por enquanto, não tivemos nenhum relato de ataque cibernético realizado pelo governo brasileiro. O que tem sido mais frequente são as ações de coação, realizadas por grupos de extrema-direita que formam a base social do atual governo. Estes grupos atuam como milícias virtuais em uma guerra psicológica, e visam expor e ameaçar pessoas ligadas a causas
consideradas “subversivas” pela ordem neo-fascista que visam
estabelecer. Desde o início do ano, já tivemos alguns casos de pessoas públicas no país, que embora tenham bastante visibilidade, sofreram com ameaças de morte, agressão e linchamentos. Por outro lado, feministas, como Lola Aronovich, já sofrem trollagem e ameaças de morte há muitos anos. Imaginamos que pessoas que atuam com mídia alternativa a nível local também poderão sofrer com este tipo de coação.
Aqui, apenas um exemplo do que pode acontecer:
https://www.theguardian.com/technology/2016/jan/07/ukrainian-blackout-hackers-attacked-media-company

P: Hoje a comunicação dos movimentos sociais é quase toda feita pelo whatsapp ou no facebook, vocês acham que é preciso adotar algum mecanismo mais seguro pra comunicação?
R: Sim, este foi um dos motivos que nos levou a constituir o coletivo. Nossa formação enquanto ativistas passou por experiências com os movimentos de mídia alternativa que surgiram após o ano 2000, portanto tivemos contato com uma prática política de apropriação dos meios de comunicação, através do software livre, da criação de sites na Web e da própria gestão de nossos servidores. Portanto, não foi somente a questão da segurança que nos assustou quando vimos tantos ativistas abraçando estas ferramentas corporativas e abandonando as suas próprias, foi uma questão política também. Whatsapp e Facebook são ferramentas corporativas e de uma única empresa, que depois se revelou pivô em escândalos de manipulação de massas, como a Cambridge Analytica ou na propaganda massiva de noticias falsas para alavancar o candidato fascista das últimas eleições.

Em termos de segurança, o Facebook é uma distopia. Coletam todo tipo de informação sobre você e seus relacionamentos, e a comunicação via Messenger não é criptografada, podendo ser espionada pelo governo.

Já a comunicação via Whatsapp é criptografada, entretanto ele é um software de código fechado, sendo impossível saber como foi feita sua implementação, e se existem brechas – propositais ou por acaso – na segurança do aplicativo. Outro aspecto é que muitas pessoas habilitam a cópia automática de todas as suas mensagens para o Google Drive, onde as conversas são armazenadas sem criptografia alguma.

Como alternativas, temos adotado o Signal, que é software livre, e tem mensagens criptografadas por padrão. Além disso, o Signal implementa uma série de medidas de proteção dos seus metadados, quer dizer, com quem você está conversando e quando. Esses dados são muito importantes e muitas vezes suficientes para saber muito sobre os hábitos das pessoas e
as relações entre elas. O Signal garante que só quem tem acesso a esses dados é a própria usuária, enquanto o Whatsapp armazena todos esses dados.

Entretanto este tipo de comunicação é somente um dos aspectos para tornar a nossa vida digital mais segura. Existem outros, o que motivou uma articulação nacional que propôs um conjunto básico de ferramentas, assim como guias e manuais que podem ser encontrados no site autodefesa.org. Recomendamos este site e o material lá publicado como o mínimo a se fazer agora.

Mas é sempre bom lembrar que independente do software que se use, boas práticas de comunicação são o elemento cultural que manterá nosso ativismo funcionando.

Foto: Reprodução da internet

P: Com esse governo fascista, repleto de militares, os movimentos sociais e todos que resolvem discordar da posição do Bozo, tem sido hackeados pelo governo. Vocês acham que não só a militancia, mas todos devem se proteger?
R: Pelos ambientes em que atuamos, costumamos falar sobre os riscos de perseguição política, mas os impactos da vigilância afetam a todas as pessoas. Parceiras que são vigiadas em relações abusivas, trabalhadoras que têm sua comunicação espionada pelo patrão, seguradoras de saúde que usam seus dados de redes sociais para te precificar, lojas, supermercados e operadoras de cartão de crédito que sabem tudo que você consome, companhias de transporte que sabem todos os trajetos que você faz, aplicativos de relacionamento que sabem com quem você se relaciona e os seus desejos, ou até a receita federal que pode inferir sua renda através da ostentação consumista em redes sociais, todos esses são apenas exemplos dos resultados dessa vigilância massiva. Recomendamos o documentário “Nothing to Hide” que faz uma boa análise nesta perspectiva.

Podemos abordar a questão por outro lado também. Segurança não é simplesmente eu instalar o signal. É uma questão social que envolve muitas pessoas e organizações. Qualquer um que transitar neste mundo, terá que interagir. E nessa interação há constante e, cada vez mais, abundante troca de informações. Assim, teremos muito mais condições de enfrentar os riscos do nosso ativismo num ambiente que promove a cultura de segurança do que num ambiente paranoico. Vejamos o caso do Navegador Tor: se poucas pessoas usam a rede Tor, elas são facilmente identificadas e marcadas como suspeitas. Se muitas pessoas passarem a usar, mesmo sem ser para se protegerem, aquelas pessoas que estão precisando agora de anonimato poderão ter um pouco mais de tranquilidade para fazer o que
precisam.

P: Temos como nos proteger dessa vigilãncia feita pelo governo ou a internet como utilizamos não favorece isso?
R: Antes de tudo, a internet é uma rede de computadores que troca informações. É claro que serviços digitais como facebook ou gmail, construídos por corporações para lucrar em cima das interações das pessoas, são chave para levar a vigilância e o controle para os aspectos mais cotidianos das nossas vidas. Porém, existe vida lá fora. E é sobre isso que falamos em nossas formações: tem muita gente desenvolvendo e lutando por uma internet aberta e que preserve nossa privacidade.

Entretanto, o campo burocrático ou dos serviços públicos têm dependido cada vez mais de sistemas digitais, o que força o cidadão a vincular muitos dados da sua vida pessoal com seu CPF, por exemplo. O seguinte caso é emblemático: a primeira ação de larga escala que os nazistas realizaram foi um censo, processado com ajuda de computadores de IBM. Hoje, todos os governos (democráticos ou não) possuem tantos dados sobre
as pessoas que nem sabem o que fazer com isso. Porém, a gente conhece a História: todos os governos, sejam monarquias ou democracias, tratam seus cidadãos como porcos numa fazenda. Na hora do abate, não há hesitação.

P: No mundo todo o discurso da extrema direita ganhou força, estamos vivendo uma retração da tolerância ideológica ou um tipo de guerra na web?
R: Um misto das duas coisas, com o agravante é que agora a manipulação de massas com propósitos fascistas conta com novas armas: um poder de processamento gigantesco, com dados cedidos voluntariamente ou não de milhões de pessoas. Casos como o da Cambridge Analytica revelam só o início de como este tipo de estratégia terá cada vez mais importância
para os Estados em seus projetos de dominação.

P: Sobre isso ainda, a NSA, CIA e outras agencias de rastreamento do governo, usam a internet para procurar suspeitos. É possível que os movimentos sociais, a imprensa, a sociedade unida pode lutar contra estas armas governamentais?
R: Sim, caso contrário teríamos desistido do coletivo e se escondido no meio do mato! Brincadeiras à parte, acreditamos que o ponto principal é desenvolvermos uma cultura de segurança, o que deve ser um processo coletivo, descentralizado e contínuo. As mudanças que estão vindo por aí só estão começando, e serão muito rápidas. Teremos que reagir
rapidamente, e buscar formas de se apropriar e transformar a tecnologia para construir modos de resistência.

P: O que vocês pensam sobre a efetividade das leis brasileiras q deveriam fornecer segurança e proteção dos dados de usuários da internet (como o marco civil da internet, por ex)
R: As leis podem até ajudar a mitigar alguns pontos da vigilância e invasão de nossa privacidade, não negamos que elas têm algum valor e respeitamos os coletivos que possuem este enfoque mais legalista. Entretanto, nosso foco enquanto um coletivo anarquista é buscar formas de autodefesa, onde por construção as tecnologias ou comportamentos possam nos proteger desta vigilância.

P: Como o usuário comum pode fazer para se proteger e manter seus dados pessoais, opinião, fora do alcance do governo?
R: Alguns dados são exigidos pelo próprio Estado para prover seus serviços, e muitas vezes são vendidos para empresas privadas (como é o caso de dados biométricos utilizados para participar das eleições), ou mesmo vazados por incompetência técnica, como foi revelado recentemente sobre dados do SUS. Outros tipos de dados, como a maioria dos metadados, são
necessários para o próprio funcionamento das comunicações (sem o nome do destinatário, o carteiro não saberia onde deixar a carta). Sobre o que está em nosso controle, podemos utilizar ferramentas que nos ajudam a preservar o nosso anonimato e privacidade. Sobre as opiniões públicas, existe uma linha tênue entre a necessidade de se posicionar e o receio da perseguição, mas não nos cabe fazer esta avaliação, que é algo muito pessoal.

O gerenciamento de identidades pode ser útil nessa situação. Só como um exemplo, temos quatro tipos de identidades que podemos usar para nos expressarmos no mundo: nome civil, pseudônimo(s), heterônimo(s), anônimo.

P: Vocês teriam alguma coisa a dizer sobre a prisão de Julian Assange?
R: É um recado claro para todas que desafiam a ordem estabelecida e um ataque a liberdade de imprensa. Mostra como o “ocidente democrático”, sob comando dos EUA, em conjunto com um Estado vassalo na América Latina podem se unir para perseguir politicamente qualquer um, mesmo aqueles que contam com visibilidade internacional, como é o caso do Assange. Não podemos esquecer de Chelsea Manning, que foi quem forneceu muitos dos documentos para o Wikileaks e que está presa desde 8 de março deste ano. E também temos a prisão recente de Ola Bini no Equador, programador sueco que colaborava com o Wikileaks. São muitos recados em um curto
espaço de tempo para considerarmos apenas coincidência. A criminalização de hackers e jornalistas só vai aumentar.

P: Como os movimentos sociais, ativistas podem fazer pra entrar em contato com vocês?
R: Temos um site: mariscotron.libertar.org, e também um endereço de e-mail org-mariscotron@lists.riseup.net, estes são atualmente nossos canais de comunicação.

O Mariscotron é um coletivo anarquista que promove cultura de segurança. A partir de 2013, com as jornadas de junho e as revelações do caso Snowden sobre a vigilância massiva das agências de inteligência americanas, começaram oferecer oficinas sobre comunicação digital segura, e proteção digital.

 

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