Representatividade se efetiva com participação de sub-representados somada à agenda desses grupos, afirma cientista
Dada a largada para a corrida rumo às eleições de 2020, vozes indígenas e negras de todo o país ampliam a mobilização nas diferentes cidades e regiões em busca de maior representatividade nos Poderes Executivo e Legislativo municipais, em especial neste último, onde as vagas são mais numerosas e consideradas mais acessíveis. Crescente a cada novo pleito, o movimento tenta produzir ecos capazes de sacudir o páreo das disputas locais e gerar mudanças voltadas à garantia de direitos.
No Psol, por exemplo, múltiplas vozes femininas buscam essa representatividade. Nesse embalo, a pré-candidatura de uma chapa coletiva chama a atenção na voz da sem-teto Débora Lima, que se juntou a outras duas colegas do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) para tentar uma vaga na lista que definirá os nomes finais do partido para o pleito.
Ela conta que a determinação para participar da disputa veio da própria experiência como cidadã, por não se sentir representada pelos vereadores. Nas palavras da militante, a Câmara local “joga tudo na conta da periferia”, caracterizada pela população negra, especialmente por mulheres. E, já que o Legislativo municipal parece surdo diante das vozes manifestadas pelo segmento, Débora resolveu batalhar por uma cadeira na Casa, de onde possa bradar por mais espaço e direitos.
“Minha aproximação com o movimento social me fez enxergar que mulheres negras têm, sim, que ocupar espaços de poder e de fala porque não adianta outras pessoas falarem o que não vai nos representar”, conta Lima, ao mencionar os sonhos dos quais aprendeu a compartilhar a partir do aprendizado com as ocupações promovidas pelo MTST.
Histórias como a de Lima se repetem pelo país e as mulheres indígenas também fazem parte desse movimento. Em Roraima, por exemplo, a professora Aldenícia Wapichana é uma das atuais pré-candidatas da Rede à Câmara de Vereadores de Cantá, município da Região Metropolitana de Boa Vista.
Novata na competição, ela conta que, inevitavelmente, a experiência da deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira mulher indígena a ocupar um assento no Congresso Nacional, tornou-se exemplo e horizonte.
“Hoje nossos parentes estão mais sensibilizados pelas conquistas que já tivemos, pela forma como ela está dentro da Câmara. Muitas vezes a gente pensa que ela tem se sentindo sozinha lá, as parcerias são mínimas, mas com força de vontade de querer ajudar. Ela é vista no mundo todo”, realça ela, lembrando a importância do alcance internacional da luta. E o movimento fez eco também na Terra Indígena Canauanim, onde mora.
“Hoje eu estou aqui na Rede, no partido em que ela também está, e nós lutamos pelos mesmos objetivos. A nossa comunidade sabe disso, que é um bem coletivo, é para todos, não individual” , orgulha-se a professora.
A cientista política Flávia Rios, da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que a representatividade deixa sua marca quando a participação de pessoas de grupos sub-representados em espaços de poder se comunica com a agenda historicamente demandada por tais segmentos. Vem, portanto, da combinação entre presença e atuação articulada com uma pauta específica, assim como se dá no caso da deputada Joenia Wapichana.
“Por isso é importante que essas candidaturas venham vinculadas a movimentos sociais, a revindicações progressistas da sociedade – pela igualdade de gênero, pela igualdade indígena, pelas mulheres, pelas lutas dessas pessoas. Acho fundamentais essas candidaturas porque elas, vinculadas a partidos que tenham essa visão da necessidade e da importância histórica do enfrentamento às desigualdades, trazem pra cena política essas pessoas”, avalia Rios.
Amplitude
A ideia da representatividade contagia membros de um mesmo segmento. E aguça a curiosidade de quem é de fora, interessando-os .
No PSB, por exemplo, chama a atenção a experiência da Secretaria Nacional da Negritude Socialista, núcleo do partido que se ocupa das questões raciais. Recentemente, o órgão produziu um livro institucional que traz os princípios e as bandeiras de luta da população negra e conteúdos similares. Prestes a ser distribuída internamente, a publicação tem sido alvo de interesse especialmente de pré-candidatos do partido que não são negros.
“É algo que a gente tem observado. O nosso movimento está mais em evidência e, por se considerar, através do IBGE e do Ipea, que nós somos a maioria população do Brasil, você vê que eles querem entender a linguagem do negro, porque muitos brancos às vezes não sabem entender a linguagem e a política que o negro pede, principalmente aquilo que as mulheres pedem. Então, temos aí uma oportunidade de a gente fazer eles nos enxergarem”, observa a secretária, Valneide Nascimento.
O secretário Nacional de Combate ao Racismo do PT, Martvs Chagas, sublinha que as políticas de igualdade racial implementadas nos governos do partido oportunizaram o fortalecimento da luta da população negra, que passou a ser estimulada também por meio do incentivo à autodeclaração racial.
Nesse sentido, o dirigente diz olhar sem surpresa para as mais de 6 mil pré-candidaturas negras que a sigla tem atualmente para a eleição deste ano. Ao todo, 32% das candidaturas totais da legenda contam com autodeclaração negra, segundo ele.
“É natural, diante das circunstâncias, que a gente tenha hoje um aumento disso em todo o país. Somado ao momento político que vivemos no Brasil e no mundo, com uma luta antirracista muito forte e com o racismo sendo colocado da mesma maneira como se colocou o machismo na década de 1990.
“Hoje, a principal luta emancipatória e civilizatória é a luta antirracista. Tudo isso faz com que você tenha esse número de candidaturas negras hoje. Espero que mais e mais pessoas se coloquem à disposição para disputar essas vagas”, conclui Chagas.
Fonte: Brasil de Fato