Instituições reagem à nomeação arbitrária de 19 reitores e marcam ato para esta terça

Julgamento no STF sobre obrigatoriedade de seguir a lista tríplice foi paralisado após voto de Fachin

Estudantes, servidores e professores protestam contra a intervenção mais recente, na UFS – Reprodução/Sintufs

Entidades que reúnem professores, estudantes e servidores de Instituições Federais de Ensino Superior (IIFES) convocaram um ato para a próxima terça-feira (8), às 18h30, contra nomeações arbitrárias de reitores pelo Ministério da Educação (MEC). Desde que Jair Bolsonaro (sem partido) assumiu a Presidência, há quase dois anos, a pasta empossou 19 reitores que não ficaram em 1º lugar nas consultas públicas à comunidade acadêmica.

O “Ato em Defesa da Democracia e Autonomia das IFES” será virtual e terá transmissão pelas redes sociais dos organizadores: Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe); Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN); Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra); União Nacional dos Estudantes (UNE) e Federação Nacional dos Estudantes em Ensino Técnico (Fenet).

Confirmaram presença no evento a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), parlamentares e reitores eleitos e não empossados. As nomeações também vêm sendo questionadas pelo Conselho da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).


Mapa da intervenção do MEC sob governo Bolsonaro / Arte: Brasil de Fato

Dos 19 casos em que a nomeação é considerada arbitrária, sete são reitores pro tempore, que sequer disputaram a eleição: na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

Também foram nomeados três reitores que ficaram em 2º lugar na lista tríplice – Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).

Por fim, o MEC nomeou outros nove que ficaram em 3º lugar na consulta pública: Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal Rural do Semi-Árido/RN (Ufersa), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri/MG (UFVJM), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Segundo a Constituição Federal de 1988, o MEC pode nomear qualquer um dos nomes da lista tríplice para reitorias de universidades federais.

“Bolsonaro não respeita a democracia. Como as universidades foram um polo de resistência ao governo, em defesa da democracia, ele tem escolhido reitores mais alinhados política e ideologicamente [ao governo]”, analisa Élida Elena, vice-presidenta da UNE.

O dilema da lista tríplice

Está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6565, protocolada pelo Partido Verde (PV), que visa garantir que o governo respeite as normais legais ao nomear reitores e vice-reitores de universidades federais. O único voto registrado até o momento é o do relator Edson Fachin, que se posicionou pela obrigatoriedade do respeito à lista tríplice – conforme disposto na Constituição Federal de 1988.

Também foi ajuizada no Supremo a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 759), sobre o mesmo tema. Nesse caso, o Conselho Federal da OAB pede que sejam anuladas todas as nomeações que não tenham respeitado o primeiro nome lista, em respeito aos princípios constitucionais da gestão democrática, do republicanismo, do pluralismo político e da autonomia universitária.

“A gente assistiu por muitos anos, independentemente do governo, à nomeação do 1º colocado, em respeito aos processos democráticos das universidades”, esclarece Élida. “Sempre fomos contra a lista tríplice, porque acreditamos que quem venceu [na consulta pública] deve assumir a universidade. Mesmo assim, a UNE assinou a ação do PV por entender que não estamos vivendo um momento de normalidade democrática, e que o governo nomeia até nomes de fora da lista.”

Ameaça à democracia

Diferentemente das universidades, a lei de fundação da rede federal de ensino – institutos federais, CEFETs e o colégio Pedro II – não prevê lista tríplice.

“É um método que nós consideramos arcaico e antidemocrático”, explica David Lobão, coordenador geral do Sinasefe. “É um arcabouço da ditadura”, acrescenta.

Outra diferença é que, nos institutos, o peso do voto de docentes, servidores e estudantes é o mesmo – nas universidades, o voto dos professores vale 70%.

A gente precisa do Congresso, precisa do STF, do MEC, dos movimentos sociais, sindicais, dos estudantes e dos próprios reitores

Na rede federal de ensino, além das três intervenções, seis reitores eleitos não foram empossados. Já houve casos em que o candidato mais votado levou um ano para assumir o cargo.

Além do ato de terça-feira, o Sinasefe vai participar de atividades no Congresso Nacional na semana que vem e busca uma agenda com o STF para expor seu posicionamento sobre o tema.

Presidenta do Andes-SN, Rivania Moura ressalta a importância do ato da próxima terça. “Essa pauta é muito urgente, e nenhum espaço pode ser descartado. A gente precisa do Congresso, precisa do STF, do MEC, dos movimentos sociais, sindicais, dos estudantes e dos próprios reitores.”

Segundo ela, o que está por trás dessas medidas são as políticas privatistas do setor por parte do governo Bolsonaro.

“Já tivemos três ministros durante esse governo, e todos atuam de acordo com um mesmo projeto de educação, baseado no descrédito e desfinanciamento das instituições”, analisa. “Todas as intervenções [nas reitorias], independentemente de quando ocorrem, são um ataque à autonomia, à democracia, porque desconsideram a vontade da comunidade acadêmica”, finaliza.


A vice-presidenta da UNE, Élida Elena / Foto: Guilherme Gandolfi

Caso mais recente

A Universidade Federal de Sergipe (UFS) foi palco do caso mais recente de intervenção. No dia 23 de novembro, o ministro Milton Ribeiro empossou como reitora a professora Liliádia da Silva Oliveira Barreto, do Departamento de Serviço Social. Ela não fazia parte da lista tríplice e sequer se candidatou ao cargo.

“É uma professora que não tem experiência administrativa, nunca foi chefe de departamento. O próprio departamento dela apresentou uma moção de repúdio quanto à indicação”, afirma Rosalvo Ferreira, que já foi pró-reitor de Planejamento da UFS e era o vice de Valter Joviniano de Santana Filho na chapa que ficou em 1º lugar na lista. “Foi uma surpresa para todos. É como se a gente tivesse levado um soco, um nocaute na universidade.”

O Conselho Regional de Serviço Social 18ª Região (CRESS/SE) também divulgou uma nota expressando repúdio à nomeação.

“Ter associada a imagem do Serviço Social ao Governo de Bolsonaro causou um desconforto para a categoria profissional”, diz o texto. “Com nítidas intenções de aprofundar a contrarreforma do Estado brasileiro por meio do desmantelamento da educação superior pública, do sistema de acesso às políticas sociais e da garantia de direitos, o projeto bolsonarista privatizante e antidemocrático não coaduna com os princípios ético-políticos assumidos pelos assistentes sociais.”

O motivo alegado para a intervenção na UFS foi a “não conclusão” do processo de escolha do reitor que sucederia ao professor Angelo Antoniolli, cujo mandato terminou em dia 18 de novembro. A eleição foi realizada em 15 de julho, e o MEC teve acesso à lista tríplice duas semanas depois.

Antoniolli recebeu um ofício do MEC, dois dias antes do fim do mandato, informando que haveria um inquérito civil do Ministério Público Federal (MPF) para apurar uma suposta irregularidade no processo eleitoral e solicitando esclarecimentos. O então reitor explicou que o inquérito tratava de questões já decididas pela Justiça Federal – tanto que acabou arquivado em 25 de novembro.

No último dia 27, o MPF instaurou um novo inquérito, desta vez para apurar eventual ofensa ao princípio da autonomia universitária no processo de escolha da reitora da UFS. O MEC e a reitoria pro tempore deveriam informar, em 72 horas, as razões do desrespeito ao processo de escolha do reitor com base na lista tríplice. Não houve resposta até o momento.

Ferreira ressalta que a intervenção na UFS é uma “situação política” e que não há nenhuma razão do ponto de vista administrativo. “Estamos organizando para resistir a essa nomeação do ponto de vista jurídico. Queremos que haja lisura nos encaminhamentos do MEC”.

Reações

A Associação de Pós-Graduandos e Pós-Graduandas da Universidade Federal de Sergipe (APG-UFS) criticou a nomeação por meio de nota e enfatizou que não se trata de um “fato isolado”, lembrando os demais casos de intervenção.

Luiz Felipe Santos, presidente do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFS, explica que a entidade está articulada junto à APG, aos técnicos-administrativos, aos professores e à associação atlética da universidade, para resistir à nomeação da reitora.

“Antes da intervenção, a gente já estava em uma batalha contra a atual gestão. A lista tríplice enviada ao governo federal tem um professor indicado pela reitoria como 1º colocado, acima dos dois professores mais bem colocados na consulta”, relata. “Mas isso precisa ser resolvido no âmbito da autonomia universitária, sem a nomeação de uma interventora.”

Em caso de problemas no processo eleitoral, o estatuto da universidade afirma que quem deve assumir é o decano – professor mais velho – da instituição, e não um docente indicado pelo governo.

Fonte: Brasil de Fato

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