Fake news não é liberdade de expressão

Disparar em massa em Whatsapp que cloriquina cura Covid-19 não é opinião, mas mentira, arma principal do gabinete do ódio bolsonarista

Foto: PT

Um dos fetiches do bolso-olavismo está no livro “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer. O próprio Olavo de Carvalho chegou a introduzir e comentar a obra em uma de suas edições.

Nela, Schopenhauer enumera 38 truques retóricos que servem para suprir o vácuo intelectual em debates. O filósofo, no entanto, adverte preliminarmente que seu propósito é o de oferecer antídotos contra quem tem o costume de usar expedientes do tipo, neutralizando-os tão logo sejam identificados.

Uma das falácias identificadas por Schopenhauer diz respeito à de rotular teses contrárias como algo asqueroso e, a partir daí, passar a bater nesse rótulo. Diz ele em seu estratagema 32: “um modo prático de afastar ou pelo menos colocar sob suspeita uma afirmação do adversário contrária a nós é submetê-la a uma categoria odiada, ainda que a relação entre elas seja de vaga semelhança ou de total incoerência”. O bolsonarismo sabe muito bem como usar dessa tática quando o assunto é defender fake news.

Dos dados colhidos tanto na CPMI das fake news quanto no inquérito que corre no STF, está mais do que claro que há uma orquestrada produção industrial de notícias falsas para manipular o debate político. Esse aparato, hierarquizado e estruturado na divisão de tarefas, é abastecido tanto com dinheiro público quanto privado.

O centro nervoso dessa estrutura se encontra no gabinete do ódio, que opera há poucos metros do gabinete presidencial. A CPMI das fake news identificou que ele conta com um núcleo político, responsável por escolher os alvos, um núcleo operativo, produtor do material de ódio e ataque à honra dos escolhidos, e um núcleo financeiro, que banca essa operação. Há uma assessoria liberada para disseminar teses pró-Bolsonaro – como a da eficácia da cloroquina no tratamento do novo coronavírus – e moer publicamente a imagem de seus desafetos. Os canais de que dispõe nas redes sociais – no Whatsapp, principalmente – cuidam de irrigar as bases bolsonaristas. Seu alto grau de capitalizarização faz com que a chegada das fake news a essa ponta ocorra em questão de minutos da sua criação.

Em artigo recente publicado no NY Times[1], a jornalista Patrícia Campos Mello, autora da “Máquina do Ódio”, que trata das campanhas de desinformação e Bolsonaro, descreve com precisão esse modus operandi: “com a disseminação do coronavírus, fake news e curas supostamente milagrosas começaram a proliferar nas redes sociais, muitas vezes compartilhadas por legisladores com centenas de milhares de seguidores. Bolsonaro tem sabotado as medidas de distanciamento social implementadas por governadores, e contas ligadas a assessores como Tércio Arnaud divulgaram que a reação à Covid-19 era exagerada e que a cloroquina, alardeada por Bolsonaro como uma cura para o coronavírus, consegue matar o vírus”. A própria jornalista foi vítima das milícias virtuais do bolsonarismo.

Esse esquema é também sustentado com dinheiro privado. Os primeiros sinais surgiram ainda na campanha de 2018, onde ocorreu o famoso diálogo entre os empresários Luciano Hang – denunciado à época em matéria da Folha de S. Paulo assinada por Campos Mello por pagar ilegalmente pacotes de Whatsapp contra o candidato Fernando Haddad – e Mario Gazin, que defendeu a liquidação da fatura no primeiro turno para que não precisassem gastar mais dinheiro. Recentemente, Edgar Corona, dono da academia Smartfit, estimulou a usina de fake news em um grupo de Whatsapp. Há outros empresários investigados por abrir os cofres para azeitar essa máquina. Só com robôs, adeptos endinheirados do ex-capitão chegam a desembolsar R$ 5 milhões mensais, segundo revelou o inquérito do STF.

É claro que não há espontaneidade nisso tudo. Existe, no mínimo, crime eleitoral, usado em larga escala para influenciar os resultados do pleito de 2018 segundo o manual Steve Bannon/Cambridge Analytica, que têm no seu currículo a eleição de Trump e a aprovação do Brexit no parlamento inglês.

Fonte: Carta Capital

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