A redução quase a zero da verba para a reforma agrária no Brasil na proposta do governo Bolsonaro de orçamento para Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de 2021 é mais uma medida de regressão social para dificultar a vida dos trabalhadores e favorecer mais um setor dos privilegiados de sempre.
O que agrava a situação é a destinação de mais recursos para a indenização judicial a ruralistas que tiveram suas terras desapropriadas.
A reforma agrária vinha sofrendo reveses desde o governo do usurpador Michel Temer. Ao assumir em 2019, Bolsonaro paralisou os processos de aquisição, desapropriação ou outra forma de obtenção de terras para a reforma agrária, além da identificação e delimitação de territórios quilombolas. O Incra passou a ser subordinado ao Ministério da Agricultura, controlado por ruralistas.
Não é difícil imaginar as consequências de tudo isso. Em um ambiente político em que o presidente da república prega abertamente a criminalização dos movimentos que lutam por reforma agrária – de todos os movimentos sociais, a rigor –, essas medidas de aumento da desigualdade no campo levam à inevitável agudização dos conflitos agrários. Pode-se dizer, sim, que Bolsonaro está cometendo mais um ato de irresponsabilidade ao lançar uma parcela considerável da população em condições precárias de sobrevivência e expô-la à violência.
Historicamente, a ausência de um projeto efetivo de reforma agrária tem empurrado os agricultores sem-terra para confrontos que muitas vezes lhes custam a vida, uma condição de profunda injusta social. Um país onde poucos latifundiários detêm imensas quantidades de terra enquanto pequenos produtores e muitos sem-terra lutam por uma pequena porção do solo nacional agricultável carrega um forte traço de incivilidade. É grande demais a sua porção regida pelo que há de mais atrasado e injusto no país.
O objetivo da reforma agrária, além de aumentar a produção agrícola – a agricultura familiar produz mais de 70% dos alimentos consumidos no Brasil –, é criar meios de sobrevivência para os milhares de brasileiros que buscam o seu sustento no campo. A questão fundiária é uma das principais faces da tragédia social brasileira. O problema é que a reforma agrária depende de atos do governo (desapropriação, indenização, financiamento, assistência técnica e creditícia, e em parte até assistência social enquanto os assentados estão buscando meios próprios de sobrevivência).
Mas no Brasil governado por Bolsonaro, alguns gatos pingados se sentem cada vez mais à vontade para tratar com aberto desprezo qualquer cobrança de providências a respeito da calamidade social em que o país se encontra. Assim como os beneficiários dessas medidas contra a reforma agrária, os responsáveis pela propagação descontrolada da pandemia – com uma inaceitável quantidade de mortes, numa escalada incessante – e pela quebradeira de empresas que provoca uma alarmante onda de desemprego estão à vontade para não assumir responsabilidades.
A agricultura farta brasileira não pode servir prioritariamente aos interesses dos que se locupletaram à custa do Estado. Ou seja: antes de defender qualquer modelo econômico é preciso atentar para o papel do Estado. O Brasil, por suas dimensões e peculiaridades, tem a vocação de mercado de massas. Além disso, é um país que precisa ampliar e distribuir a riqueza, integrando à economia os milhões de brasileiros que ainda não desfrutam de um nível aceitável de cidadania. Trata-se de uma realidade que impõe um fim a esse governo para que o país possa tomar um novo rumo.
Fonte: vermelho.org.br