Lei que pode tachar movimentos como terroristas retorna ao debate

Projeto ressurge no cenário pós-eleições, no embalo da onda conservadora, e é iniciativa de ruralistas

Passadas as eleições presidenciais, a agenda do Congresso Nacional voltou à normalidade trazendo na bagagem um rol de pautas conservadoras. Entre os destaques, estão o Projeto de Lei do Senado (PLS) 272/2016, que detalha as condutas criminais classificadas como terrorismo e pode levar à criminalização formal dos movimentos populares.

A medida ressurge no embalo da onda conservadora que levou à eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República e tenta resgatar dispositivos da Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016) que foram vetados pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) quando a legislação foi sancionada.

Na época, o projeto que deu origem à lei foi proposto pelo governo, atendendo a pedidos de grupos internacionais que visavam a padronizar os procedimentos contra o terrorismo. Dilma enfrentou forte oposição da própria base por conta do projeto e acabou vetando parte dos trechos.

De autoria do senador Lasier Martins (PSD-RS), o PLS 272/2016 recoloca o tema em debate, propondo que sejam classificadas como terrorismo condutas como incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou bem público ou privado “com o objetivo de forçar a autoridade pública a praticar ato, abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral”.

Também tipifica dessa forma a interferência, a sabotagem ou a danificação de sistemas de informática ou bancos de dados “com motivação política ou ideológica”, com previsão de pena que varia de 12 a 30 anos de reclusão.

Na defesa do projeto, o autor argumenta, entre outras coisas, que, ao vetar alguns pontos do primeiro projeto de lei, Dilma estaria “pouco informada a respeito do cenário internacional”. No texto, ele afirma que o debate em relação ao terrorismo não poderia ser considerado concluso e acredita que o Brasil pode vir a ter cidadãos recrutados por grupos terroristas, com possibilidade de eventuais atentados pelo país.

Na outra ponta, a oposição afirma que, além de abrir caminho para a criminalização dos movimentos populares, o projeto traz definições que seriam amplas e imprecisas. O grupo também afirma se tratar de condutas que, apesar de terem diferentes potenciais ofensivos, são enquadradas com penas iguais.

A iniciativa violaria, entre outras coisas, o princípio da proporcionalidade, que busca um equilíbrio entre os direitos individuais e os interesses sociais.

“O texto é tão ruim que, na verdade, criminaliza movimento estudantil, movimento dos trabalhadores. Eu acho que só esse projeto já coloca o país num regime autoritário porque você tira o direito da livre manifestação. É muito grave”, destaca o líder da bancada do PT no Senado, Lindbergh Farias (RJ).

Pela proposta, o réu que for condenado pelo crime de terrorismo deverá cumprir pena em estabelecimento de segurança máxima. A oposição acrescenta que isso violaria o princípio da individualização da pena, uma vez que desconsidera as condições pessoais do condenado, o grau de culpabilidade, os antecedentes criminais, entre outros aspectos.

O PLS tem como relator o senador Magno Malta (PR-ES). Assim como Lasier Martins, Malta é membro da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), conhecida sob a alcunha de “bancada ruralista”. Ele votou pela aprovação do projeto e apresentou uma emenda que enrijece um dos trechos do projeto, acrescentando à caracterização do terrorismo a “motivação política, ideológica ou social”.

Para o senador oposicionista Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a medida tem endereço certo e atinge mais diretamente organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), entre outros grupos conhecidos pela luta social.

“Claramente, lideranças dos movimentos sociais, como Guilherme Boulos [líder do MTST], que o presidente eleito já declarou que gostaria de ver na prisão, podem ser enquadradas no crime de terrorismo por organizar uma manifestação. Esse projeto de lei é um afronta à Constituição, ao direito de ir e vir, à liberdade de manifestação, por isso não tem como ser aprovado”, critica o senador, que em maio deste ano apresentou um voto em separado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) pedindo a rejeição do PLS.

Para Alexandre Conceição, da direção nacional do MST, o projeto seria uma “perseguição de cunho ideológico”, voltada à eliminação de grupos sociais que se opõem ao avanço neoliberal na economia e conservador na política.

“Pra eles implementarem uma política dessas, eles precisam desestabilizar, desorganizar ou mesmo acabar com a luta social organizada neste país, que está refletida sobretudo no MST e no MTST”, complementa.

Trâmite

Nesta quarta-feira (31), após uma movimentação dos ruralistas para tentar votar o projeto na CCJ, a oposição conseguiu evitar a apreciação da medida e aprovar uma proposta de audiência pública para debater o projeto. De acordo com o presidente do colegiado, Edison Lobão (MDB-MA), a sessão deve ocorrer dentro de duas semanas.

A ideia da oposição é ganhar tempo e obstruir a pauta dentro das possibilidades apresentadas pelo regimento. Para Randolfe Rodrigues, apesar do atual contexto nacional de avanço conservador, os ruralistas ainda devem enfrentar grande resistência em relação ao projeto.

“Nesta legislatura, eu acho que eles terão muitas dificuldades. Nós vamos tentar impedir que isso venha a lume e que seja aprovado este ano. Ano que vem é outra circunstância, e eu tenho certeza de que ele é de interesse do presidente eleito”.

Nas eleições deste ano, a bancada ruralista, que selou apoio oficial à campanha de Bolsonaro, não conseguiu reeleger a maioria dos membros. Dos 245 parlamentares que compõem atualmente a FPA, 117 obtiveram novo mandato, o que representa um percentual de 47,7%.

Para 2019, ainda não se sabe quantos novos parlamentares irão integrar a Frente, mas o cenário legislativo vive um avanço conservador, especialmente diante da ampliação de bancadas como a do PSL, partido de extrema direita associado a Bolsonaro.

A sigla elegeu a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados, com 52 nomes, mas pode crescer durante o governo Bolsonaro, com a migração de parlamentares de uma legenda para outra.

Fonte: Brasil de Fato

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