Para o ex-chanceler, o silêncio de Bolsonaro sobre América Latina, África e desigualdade disse mais que seu (curto) discurso em Davos
Em sua primeira aparição internacional, no Fórum Econômico e Social de Davos, na Suiça, o presidente Jair Bolsonaro mostrou que mantém viva a retórica de campanha e o esforço em se consolidar como antípoda de Lula. Para o ex-chanceler Celso Amorim, “os silêncios” de Bolsonaro disseram mais sobre suas intenções do que as suas palavras.
“Não há muito o que dizer. Falou pouco e de modo genérico”, disse, em entrevista a CartaCapital, o ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil. “Pelo menos ele não disse que ia apoiar a mudança de regime na Venezuela”, ironizou, não apontando para o fato de que o presidente brasileiro afirmou, em entrevista coletiva na Suíça, que espera que Nicolás Maduro seja logo deposto do cargo que ocupa.
O ex-chanceler do governo Lula criticou ainda a defesa feita por Bolsonaro dos tais ‘verdadeiros’ Direitos Humanos, um dos trechos de seu discurso que mais repercutiu na imprensa e nas redes sociais. “Quais serão eles? O de possuir armas? E quais seriam os falsos? Dá o que pensar”.
Amorim se disse impressionado com a ausência de menções aos problemas sociais do País. “Bolsonaro mencionou riquezas naturais, alimentos, segurança para os turistas. Mas não falou de indústria ou distribuição de renda.”
Uma análise da presença de outros presidentes brasileiros em Davos mostra o ineditismo da postura de Bolsonaro. Lula, Dilma, FHC e até mesmo Michel Temer dedicaram algumas linhas do discurso às questões sociais. Em seu 2003, em sua primeira ida a Davos, Lula chegou a criação de um fundo global de combate à pobreza.
No caso de Bolsonaro, ‘pobreza’ e ‘miséria’ foram citadas uma única vez – no trecho em que ele promete “promover uma educação que prepare nossa juventude para os desafios da quarta revolução industrial”.
Este foi também o discurso mais curto de um presidente brasileiro no Fórum Econômico Mundial: oito minutos. O recorde anterior era de FHC, que falara por vinte minutos na edição de 1998.
Amorim notou ainda que o presidente silenciou sobre países da África e da América Latina, regiões chave na política de cooperação Sul-Sul idealizada por ele. “Talvez façam parte do viés ideológico!”, brinca o ex-ministro, citando a aproximação do novo governo com a extrema-direita europeia.
Apesar de prometer um Brasil “livre de amarras ideológicas”, a agenda do presidente se limita a líderes nacionalistas. Segundo informações do Estadão, o presidente tem encontro marcado os mandatários da Polônia, República Tcheca, Japão, Itália e Suíça.
Amorim lamentou que, em uma época em que faltam líderes dispostos a coordenar a cooperação entre os países, o país esteja perdendo a oportunidade de viver um novo momento de protagonismo global. “O Brasil ocupou esse espaço durante o governo Lula. E acho que Haddad poderia fazê-lo”.
Fonte: Carta Capital