Sem governo, brasileiros têm desafios dobrados em meio à pandemia

‘Muitos se perguntam: até quando os militares apoiarão o genocida?’, escreve Milton Rondó

A toda a população mundial não faltam desafios em meio à pandemia.

Foto: PDT

Para as brasileiras e brasileiros são dobrados, pois estamos sem governo. Pior, temos um desgoverno que boicota as medidas de prevenção e a própria vacinação, dificultando o registro de vacinas que não sejam de seu “interesse” (entendidos nos moldes daquela tradição familiar), como é o caso da Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan.

Muitos se perguntam: até quando os militares apoiarão o genocida? Lembremos, em primeiro lugar, que a caserna não corre riscos em que o resto da população corre: tem desde transporte até hospitais próprios. Por isso, não se assustam com as lotações de UTIs, pois têm-nas exclusivas, para si e respectivas famílias.

Existem militares honrados? Existem, mas onde estão suas vozes?

Provavelmente, no mesmo recanto em que se encontram os diplomatas honrados: em lugar tão ermo que não se ouvem.

A grande Rosa Luxemburgo, em “Rosa Vermelha”, de Kate Evans, da Editora Martins Fontes, nos esclarece a ligação umbilical entre militares e capitalismo: “A força é a única solução disponível ao capitalismo; a acumulação do capital, vista como um processo histórico, usa a força como uma arma permanente”.

Com efeito, ao descrever a Alemanha do início do século passado, Rosa delineia o Brasil deste início de século XXI: “Um Estado que não passa de um despotismo militar enfeitado com formalismos parlamentares, com um toque de feudalismo, obviamente influenciado pela burguesia, entulhado de burocracia e vigiado pela polícia”.

Sobre militares, diplomatas e demais funcionários dos Três Poderes civis, Rosa nos indica a possibilidade de discernimento: “Há dois tipos de organismos vivos: aqueles que têm coluna vertebral e que, portanto, podem caminhar e, às vezes, até correr, e aqueles que não a tem e que, portanto, só se arrastam e se agarram em outras coisas”.

Vale lembrar que o tema da indiferença sempre foi caro aos pensadores e pensadoras.

O filósofo político italiano Antonio Gramsci dedicou à questão todo um volume de sua obra, intitulado “Odeio os indiferentes“, recentemente republicado pela Editora Boitempo.

Nele, o maior filósofo político do século XX constata algo que se aplica, identicamente, ao Brasil atual, embora a referência original fosse à Itália do início do século passado: “E o nosso ponto de vista é este: na organização burguesa da sociedade italiana existem instintos de controle que não funcionam, assim causando dano à produção capitalista genuína pois deixaram que perversos, criminosos, continuem em sua atividade mais de quanto se possa presumir que uma ação canhestra deva permanecer iignorada. Isso significa que a organização burguesa italiana é má até do ponto de vista capitalista.

O proletariado tem a tarefa específica de puxar continuamente o ordenamento atual, para que se renove e se torne sempre mais favorável à produção, ao incremento da riqueza: deve pressionar para que da burguesia se afirmem apenas aqueles setores e indivíduos que, com a sua atividade capitalista honesta, tornem as condições mecânicas e naturais da vida social mais adequadas a uma mudança de classe no poder”.

Em “Frei Betto e o Socialismo Pós-Ateísta“, Fábio Régio Bento cita a reflexão do Papa Francisco, feita na reunião com os representantes de movimentos sociais de todo o mundo, em Santa Cruz de La Sierra, no ano de 2015: “Que posso fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo, limpador, reciclador, frente a tantos problemas, se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, artesão, vendedor ambulante, carregador, trabalhador irregular, se não tenho sequer direitos laborais? Que posso fazer eu, camponesa, indígena, pescador que dificilmente consigo resistir à propagação das grandes corporações? Que posso fazer eu, a partir da minha comunidade, do meu barraco, do meu povoado, da minha favela, quando sou diariamente discriminado e marginalizado? Que pode fazer aquele estudante, aquele jovem, aquele militante, aquele missionário que atravessa as favelas e os paradeiros com o coração cheio de sonhos, mas quase sem nenhuma solução para os seus problemas? Podem fazer muito. Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podeis e fazeis muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na busca diária dos três “T” – entendido? – (trabalho, teto, terra), e também na vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudanças, mudanças nacionais, mudanças regionais e mudanças mundiais. Não se acanhem!”.

A imensa humanidade demonstrada nessas palavras pelo Papa Francisco confirma a tese de Fábio Bento quanto à compatibilidade entre crentes e revolucionários: “…a tese-dogma da associação coercitiva entre ateísmo, socialismo e marxismo, tese violenta que produziu exclusão profissional e hostilidade sistemática contra os crentes, mesmo os revolucionários – lá onde foi adotada como política oficial de estado – não é uma tese de Marx, nem da marxista Rosa Luxemburgo. É de Lenin e do seu já finito socialismo soviético, que nasceu, se desenvolveu e feneceu praticando e exportando a exclusão social por razões de credo”.

Que 2021 nos encontre mais abertos, menos dogmáticos e mais internacionalistas.

Fonte: publicado originalmente em Carta Capital

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