por Paulo Vitor Ferreira, o PV
A montagem e a estética não foram as únicas invenções do cinema soviético, que fundamentou inovações em estudos e artigos, pensando a Sétima Arte de uma forma abrangente e minuciosa
Um dos períodos mais geniais da história da chamada Sétima Arte, talvez, o mais genial, foi o do cinema revolucionário soviético. A estética se mostrou inovadora e futurista, pois antecipou questões da produção audiovisual em seis décadas. Conhecida pelas novas gerações como edição, a montagem começou a ser compreendida de forma mais interessante e inteligente. Para o cineasta Sergei Eisenstein, ela era o nervo, o fio condutor, dos filmes.
Por exemplo, em “Outubro”, de 1927, do mesmo Eisenstein, há uma sequência com uma metralhadora em destaque. Logo depois, um agente da polícia repressora do governo provisório russo dispara uma quantidade brutal de tiros na população e nos bolcheviques durante uma passeata. A rajada de balas para cima do proletariado que formará, posteriormente, o poderoso Exército Vermelho, é caracterizada por cortes muitos rápidos, aliás, uma sobreposição de imagens com velocidade impressionante que deve ter influenciado os videoclipes atuais.
O cineasta John Landis, diretor de “Thriller”, música do falecido popstar Michael Jackson, bebeu da fonte soviética. Aliás, o que seria dos filmes mais inovadores de Hollywood sem a estética revolucionária de Eisenstein, Dziga Vertov e Vsevolod Pudovkin, entre outros? Pois é. O capitalismo tem que aturar.
Pensadores!
A montagem e a estética não foram as únicas novidades. Os cineastas soviéticos eram teóricos. Fundamentavam as inovações em estudos e artigos, ou seja, contribuíram de forma completa. Essa junção do realizador e pensador em um único cineasta influenciou outros movimentos de elevada importância na História, com H maiúsculo, do cinema.
Os diretores da francesa “Nouvelle Vague” e do brasileiro “Cinema Novo”, como François Truffaut e Glauber Rocha, por exemplo, foram influenciados por Vertov e Eisenstein. Inovaram artisticamente e, principalmente, escreveram (documentaram) sobre o fazer cinema. Com os diretores camaradas, os comunistas, o cinema se transforma em uma poderosa ferramenta de conscientização. O ser coletivo torna-se o foco dessa arte proletária.
A montagem novamente
Para esse grupo de realizadores, uma série de imagens conectadas permitia que cenas complexas ganhassem forte significado organizadas em sequências impressionantes. Colocadas juntas, essas imagens seriam capazes de construir o poder estético de determinada obra cinematográfica.
Diretor de obras-primas como “Encouraçado Potemkin”, “A greve”, “Alexander Nevsky”, “Que viva México” e “Ivan, o Terrível – Partes 1 e 2”, Eisenstein é o mais lembrado e celebrado de todos no movimento revolucionário do cinema soviético. Para explicar melhor o que já foi mencionado no texto, ele criou várias teorias, como a montagem intelectual, que consistia em justapor imagens dando sentido conscientizador e de associação às cenas e às sequências.
Voltando a “Outubro”, no início do filme que comemora os dez anos da revolução, a estátua do czar é destruída pelo proletariado revolucionário. No meio da trama, devido a uma ação truculenta do governo provisório contra o povo, aquela mesma estátua do czar, representando a ditadura monárquica, consegue se reconstruir sozinha, lembrando que o governo provisório burguês nada mais é do que a continuação da mais violenta repressão aos trabalhadores.
Uma câmera na mão e o comunismo na cabeça
Os conceitos vanguardistas do movimento estavam sempre presentes no modo de produção desses filmes. Os diretores, como Vertov e Pudovkin, optaram pelo cinema-verdade, ou seja, a filmagem concreta do cotidiano. Já Dziga antecipou conceitos do neo-realismo italiano.
Em 1924, Dziga Vertov lançou o manifesto-filme Cinema-Olho, que pregava a câmera na mão, com muita mobilidade. Ou seja, as linguagens de documentário e reportagem de TV também vão sendo antecipadas por esse gênio. Cinema-Olho e outras obras são montadas inteiramente com tomadas rápidas, já demonstrando o caminho para a estética dos videoclipes dos anos 1980 e 1990, do cinema de entretenimento, e das séries de TV.
Vertov desconstruiu as formas burguesas de se produzir e dirigir uma película. Os operários, as massas trabalhadoras, eram as personagens principais. As vitórias revolucionárias desses trabalhadores conscientes são as tramas e o combustível de belos roteiros reais.
Outro cineasta revolucionário a ser mencionado é Vsevolod Pudovkin, que desenvolveu uma nova teoria para a montagem, uma antítese da hollywoodiana, embora o cinema estadunidense considerado de vanguarda tenha se embriagado, e não apenas bebido, na fonte do cinema comunista.
Pudovkin fez uma analogia entre o cineasta e o poeta. Segundo Vsevolod, o último utiliza as palavras para criar uma nova percepção da realidade. Já o diretor de filmes utiliza as imagens, que formam os planos, que constroem uma sequência. Dois tipos de arte que recriam de forma ímpar.
Existem muitos outros diretores importantes nesse período. Nesta série de matérias sobre o cinema soviético serão mencionados aspectos notáveis das obras, principalmente dos já citados Vertov, Eisenstein e Pudovkin, e trazendo as teorias e a influência deles na história. Nesse preâmbulo, fica a ideia de que o cinema soviético foi a revolução dentro dessa arte tão apaixonante. Uma paixão que nunca foi tão bem elaborada e tão coletiva.
Fonte: O Partisano