por Gilson Reis*
Ao longo das últimas 14 sessões legislativas (três em setembro e 11 em outubro), fizemos o bom combate em defesa da educação e da autonomia pedagógica dos docentes em sala de aula.
Não há meios-termos que definam o insidioso projeto que estabelece a censura dentro da sala de aula. O PL 274/17, aprovado em primeiro turno no dia 14 de outubro, véspera do Dia dos Professores, é uma aberração moral, pedagógica e jurídica. O projeto criminaliza a prática educativa. Através da “delação premiada” por supostos crimes de “doutrinação”, cria um clima de terror e assédio moral dentro do ambiente escolar. E, em nome da “neutralidade”, separa o processo de aprendizagem escolar da realidade social que cerca alunos, pais e professores, algo impossível de ser atingido.
O objetivo desta cruzada é nivelar o conhecimento formal, de base científica, e reproduzido por profissionais, ao senso comum e a determinadas crenças religiosas. Lembra a inquisição do século XIII (esforço demandado pela Igreja Católica para identificar e punir os hereges, as pessoas que professavam crenças diferentes dos ensinamentos cristãos).
Vamos imaginar que esta lógica seja implementada no ambiente escolar. A professora de Biologia, ao ensinar a teoria do evolucionismo, será obrigada a reconhecer como conhecimento legítimo a teoria criacionista (anticientífica); professores de História terão que admitir que a África foi povoada pelos descendentes de Cam – uma maldição bíblica; professores de Geografia admitirão que a “teoria” sobre a Terra plana é uma das possibilidades de explicação sobre a origem do nosso planeta, e assim por diante.
Outra falácia disseminada é de que a medida “defende a família”. Pelo contrário: a instituição da mordaça nos professores e o isolamento da escola do contexto social prejudicam milhares de famílias que se organizam e pensam de formas diferentes do modelo (único) defendido pela bancada fundamentalista.
Não se trata aqui de doutrinar, estimular ou induzir as escolhas de quem quer que seja, mas de explicar, de forma científica e com os devidos critérios de conteúdo e de respeito à faixa etária dos alunos, a existência de diversas visões de mundo e de opções religiosas e sexuais, e que todas devem ser tratadas com respeito. A educação deve promover a tolerância e a convivência pacífica, não o ódio e a violência.
Por isso, não posso deixar de registrar o comportamento antidemocrático de colegas que, descontentes com o processo de obstrução, abusaram da interpretação enviesada do próprio regimento e da truculência. Alguns apelaram até para a violência física.
A tentação autoritária também mostrou sua cara no triste episódio que redundou no esvaziamento truculento da galeria, no dia 9 de outubro, e no clima de tensão que se instalou nos dias seguintes. A aprovação do PL 274/17 aconteceu com a casa do povo fechada para o povo e cercada por forte aparato de segurança. Tudo isso também pago com o dinheiro do contribuinte. Nem assessores e servidores puderam circular livremente pela Câmara durante estes dias.
Saímos fortalecidos deste processo. Junto com os mandatos das vereadoras Cida Falabela e Bella Gonçalves e dos vereadores Arnaldo Godoy, Pedro Patrus, Pedro Bueno e Edmar Branco, construímos uma unidade que agora deve continuar o debate sobre a educação que queremos com amplos setores da sociedade.
É preciso dar organicidade às frentes sociais em defesa da escola democrática, gratuita, laica e de qualidade. Devemos ir às escolas e às ruas conversar com pais, alunos e professores e a população. O PL da mordaça é mais um dos ataques que visam destruir a já combalida educação pública do nosso país. Ampliar esta resistência é tarefa de todos que acreditam na educação como conquista e instrumento emancipatório da humanidade.