Lula ainda é o centro gravitacional da possibilidade de Brasil

por Gustavo Conde

File photo: Brazil’s President Luiz Inacio Lula da Silva reviews the honor guard during a reception ceremony at Havana’s Revolution Palace January 15, 2008. REUTERS/Claudia Daut/File Photo

Há algum tempo atrás, Lula seria só o melhor presidente da história do Brasil.

Mas, a partir de agora, ele se confunde com a própria identidade do país e do povo brasileiro. Ancestral, visceral, imemorial.

O processo é longo e doloroso, mas nós o estamos testemunhando.

Porque os sentidos que se consagram na história precisam da própria história para se consagrar.

Podem ser sentidos que se ausentam da presença física, mas que regem tudo o que tiver relação com a política, com a sociedade e com os afetos.

Lula é parte da nossa subjetividade. Mais que uma ideia, é uma dimensão da nossa existência histórica.

E isso nem roça o personalismo ou a idolatria (essa doença é do nosso eterno adversário, que nos toma como idólatras na projeção patológica do seu eu). É puramente uma constatação técnica do mundo do discurso e da construção das identidades.

Lula está na própria identidade deles, como antivalor protagonista. É uma imensa sinuca de bico.

Pobre da sociedade ressentida que escolhe o caminho do linchamento. Assim, nasceu o cristianismo. Apenas a estrutura moral-discursiva mais impactante do mundo ocidental.

Claro que não se trata de comemorar ou não comemorar. Muita gente se perde na lógica das celebrações maniqueístas: ganhei, perdi (a vida parece se resumir a isso).

A metáfora do “jogo” (a vida é um jogo) é limitada. Eu diria: use com moderação.

Fato: Lula irá povoar a estrutura psíquica do brasileiro e isso tende a durar mais que o próprio país. Ele ganhou? Óbvio que sim.

Mas degustar vitórias dessa dimensão não é para qualquer um.

Se a mosca tão científica do materialismo histórico sobrevoou sua orelha sem mesmo picar, dê-se já por satisfeito: você tem condições de degustar esse momento, deixando o sofrimento espasmódico e efêmero em estado de latência pedagógica.

Quem despreza a história, vive uma subjetividade interrompida e ruma ao esquecimento.

Quem tem a clareza de que a história está dentro de si (como a própria língua), vê o massacre de Lula como sua perpetuação simbólica inexorável.

Astrofísicos costumam chamar a atenção para a insignificância da Terra diante do universo, com aquelas fotos idealizadas da Nasa. É só um “pontinho” quase imperceptível na imensidão do cosmos.

A metáfora é perfeita. Esse surto de bestialidades antipolíticas encarnado em uma figura obscura como Bolsonaro é só um pontinho invisível diante da imensidão de sentidos que emana de Lula.

Percebam como tudo gira em torno de Lula. Ele é o centro gravitacional da própria possibilidade de país que ainda nos restou.

De forma que, embora não seja fácil experimentar essa sensação, nós estamos em pleno desfile de mais uma vitória histórica, a maior de todas – maior mesmo que a de 2002.

Lula é infinito. Direita racista é poeira cósmica.

Ela vai durar o que tiver que durar. Não é dessa química que a humanidade é constituída.

E para quem não for parte dessa doença, resta apenas combatê-la com a dignidade paciente de não se entender como um indivíduo apartado do seu outro e do processo histórico.

Esse caminho é o caminho que nos foi dado. E a clareza de seu desfecho fatal, bem como de sua natureza desafiadora é essencial para que a resposta presente se materialize, com a eloquência dos quem amam a si e ao próximo e a faísca dos que se deixam iluminar por entes irradiadores de justiça real, coletiva, afetuosa e desacovardada.

Como Lula. Como todos nós.

Gustavo Conde é linguista e colunista do 247

Fonte: Brasil 247

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