Entidades denunciam tentativa de controle de ONGs na Amazônia pelo governo Bolsonaro

Conselho presidido por Mourão pretende regular ações das entidades que protegem indígenas e florestas do desmatamento

Combater os incêndios na Amazônia são um dos principais focos para a atuação das organizações da sociedade civil – Valter Campanato/Agência Brasil

 

Criar um marco regulatório e controlar 100% das organizações não-governamentais (ONGs) que atuam na Amazônia. Estas são ações estratégicas prioritárias citadas em documentos elaborados pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão e criado em fevereiro deste ano.

A meta do governo é que até 2022 atuem na região amazônica apenas as entidades da sociedade civil que atendam aos “interesses nacionais”, que, no entanto, não são descritos por Mourão.

As diretrizes do Conselho em relação a atuação das entidades, reveladas na última semana pelo jornal O Estado de São Paulo, é vista com preocupação por ambientalistas entrevistados pelo Brasil de Fato.

“Só quem fala em interesse nacional para além daquilo que está na constituição são as forças armadas, que estabelecem o interesse nacional no contexto dos conflitos com outros países. Não cabe estabelecer nenhum tipo de regra de interesse nacional que não seja a constituição para que os cidadãos possam se organizar e atuar em benefício da sociedade”, avalia Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA).

Segundo último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2016, existem no Brasil 237 mil ONGs. A atuação em “meio ambiente e proteção animal”, abrange apenas 1% do total das entidades sem fins lucrativos.

Sem nenhuma comprovação, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a chamar as organizações de “câncer” e acusá-las de serem responsáveis pelos incêndios no país.

Luiza Lima, porta-voz do Greenpeace Brasil, que atua na Amazônia há mais de 20 anos, relata que nunca houve possibilidade de diálogo com o governo federal a partir da eleição de Bolsonaro.

Ela destaca como efeitos práticos a extinção da participação da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o envio de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para a Conferência do Clima, em Madrid, no ano passado, com o intuito de monitorar ONGs e integrantes da comitiva brasileira dentro do espaço de debates da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Dentro de um Conselho da Amazônia Legal em que eles deveriam debater e discutir metas, atividades efetivas para controlar o fogo e o desmatamento. Eles estão colocando metas para controlar a ação da sociedade civil dentro do bioma da Amazônia”, avalia.

Apesar de assinar os documentos enviados a servidores que compõem o Conselho da Amazônia, Mourão negou o objetivo de controlar as organizações. Na última semana, dezenas de entidades brasileiras se uniram para redigir uma carta aberta em repúdio ao plano do Governo Federal.

Intitulado Garantir a liberdade das ONGs é defender o interesse nacional, o documento frisa, em tom crítico, que a atuação e a liberdade das organizações são garantidas pela Constituição Federal e que a lei brasileira veda qualquer tipo de interferência do Estado na criação, no funcionamento ou mesmo no posicionamento das entidades.

Defesa da Amazônia

A atuação das organizações, segundo Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, coordenador-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), tem sido fundamental para a proteção dos povos originários na região amazônica.

“As ações são definidas coletivamente entre as organizações e os povos que estão sendo afetados por determinados problemas ou pela falta de efetividade do governo, porque as ações dessas organizações se dão justamente pela falta de atuação do governo. Não adianta culpar as ONGs, elas atuam porque o governo não respeita e não oferece a esses povos o direito a qual lhes concerne”, relata.

O debate sobre restringir a atividade das organizações da sociedade civil acontece em meio à vitória do democrata Joe Biden, nos Estados Unidos, e à expectativa sobre quais serão os rumos da política ambiental no Brasil.

“Se isso concretamente vai reverter em alguma coisa no país é muito difícil dizer, porque me parece que a nossa política ambiental hoje, que é uma política de desmonte, uma antipolítica ambiental, ela é muito pauta em um interesse convicto do presidente. Claro que a gente espera que haja uma mudança no sentido de reconhecer a necessidade de respeitar os povos indígenas e a questão ambiental, mas objetivamente não existe nada, nesse momento, na mesa, que faça com que essa mudança seja automática por conta da mudança nos Estados Unidos”, opina Adriana Ramos, do ISA.

Brasil de Fato entrou em contato com a vice-presidência da república, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.

Fonte: Brasil de Fato

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