Analistas indicam para próxima década menor crescimento chinês, responsável por 70% do consumo de minério
Crescimento econômico é o principal argumento do setor minerário para justificar a exploração predatória da riqueza que temos debaixo do solo. Porém, análises de grandes instituições do capitalismo internacional apontam limites para essa exploração.
Na última semana, por exemplo, o Institute of International Finance (IIF) sinalizou queda na demanda da China por minérios nos próximos anos. O país asiático é o maior consumidor de metais do mundo. Caso isso se confirme, a base econômica de Minas, a mineração, ficará comprometida e o estado poderá chegar à beira de um caos.
O IIF é uma entidade mundial que reúne 450 bancos e fundos de investimentos em 70 países. Segundo recente relatório da organização, o Brasil está mergulhado em uma crise econômica tal como estava há 11 anos, quando houve o colapso financeiro nos Estados Unidos.
China representa 70% do consumo de minério no mundo
O PIB brasileiro recuou 0,2% em 2009. Porém, os brasileiros conseguiram sair dessa situação muito bem em 2010, ano em que o PIB cresceu 7,5%. Foi uma das maiores taxas de expansão naquela época e maior do que a de países ricos, como os europeus e Estados Unidos.
Por sua vez, a China também conseguiu contornar a sombria conjuntura investindo pesado em sua infraestrutura. Assim, houve enorme apetite pelas commodities metálicas brasileiras, as quais tiveram relevante impacto na elevação do PIB nacional de 2010.
Crise se avizinha
Porém, essa façanha não deverá ser o remédio para curar o Brasil da atual crise, uma vez que a China não possui mais o apetite do passado, conforme acena o IIF. O organismo internacional avalia que a partir do ano que vem os chineses irão focar na compra de produtos agrícolas.
Outra entidade que indica uma previsão similar é a britânica Capital Economics. “Na próxima década, a tendência da taxa de crescimento da China é desacelerar para 2%. As regiões de países emergentes mais pobres (África e Ásia), provavelmente, experimentarão um crescimento mais rápido do que as regiões emergentes mais ricas (determinados países europeus e os da América Latina)”, diz a entidade inglesa.
A China representa 70% do consumo de minério no mundo. E Minas Gerais, embora já esteja dando sinais de arrefecimento, é um dos maiores canteiros de produção mineral do planeta. No Brasil, os mineiros respondem por quase a metade da extração mineral, de acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Logo, qualquer movimento da China atinge em cheio o estado.
Atualmente, o cenário na mineração não poderia ser melhor. O preço da tonelada de minério chegou em setembro a 130 dólares, uma das maiores altas da última década. Desde o ano passado, o setor vive essa euforia. Em 2019, ela foi explicada graças à paralisação de pontos de produção em Minas, devido ao ocorrido de Brumadinho. Dessa maneira, a demanda mundial foi maior que a oferta, fato determinante na elevação das tarifas.
Em Itabira, 24% dos R$ 581,6 milhões que entraram nos cofres públicos em 2019 referem-se à Cfem
Neste ano, uma das explicações é a permanência do consumo Chinês, apesar da turbulência econômica mundial causada pelo coronavírus. “A China, sozinha, compensa essa fraqueza no resto do mundo. A grande dúvida é até quando a produção chinesa de aço se sustenta”, disse Daniel Sasson, analista de mineração e siderurgia do banco Itaú, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo. As siderurgias chinesas são o principal destino dos minérios adquiridos pela nação asiática.
Quais poderiam ser, então, as consequências para o estado se a China de fato diminuir a demanda por minerais?
A principal seria queda no PIB estadual. Não existe um dado atual sobre o impacto da mineração na economia mineira. Mas, sabe-se do efeito cascata proporcionado por essa indústria em diversos segmentos da economia no estado. Por exemplo, nas cidades do Quadrilátero Ferrífero, como Itabira, Itabirito e Nova Lima o setor de serviços predomina; isso graças à renda gerada, sobretudo, na mineração.
Queda de arrecadação
Após a queda da barragem da Vale em janeiro de 2019, em Brumadinho, o departamento de economia da UFMG estimou o impacto da paralisação da produção ferrífera apenas da empresa. O estado têm outras centenas de mineradoras.
Se a interrupção se estendesse por meses e meses após o rompimento (o documento não indica um tempo específico), uma lista de 20 segmentos econômicos poderiam ser impactados. Até mesmo os serviços financeiros, como fundos de previdências, e jurídicos sofreriam. O mais afetado seriam os cofres públicos. Poderia haver uma perda na arrecadação, para os três níveis de governo, de até R$ 856 milhões. Isso equivale a aproximadamente 3,5 vezes o orçamento de 2019 da Universidade Estadual de Minas, a Uemg.
Vale prevê esgotar sua produção em Itabira em oito anos
Esse cenário traçado pela UFMG diz respeito apenas à paralisação total da Vale e não à queda na demanda por minérios. Mas, ele consegue dimensionar como o estado é dependente da mineração. Isso é resultado de escolhas políticas ao longo do tempo, que impediram a diversificação da matriz econômica.
A perspectiva de redução do consumo chinês por minério de ferro não é o único prenúncio da diminuição da extração de minérios. Segundo a Vale, em oito anos está prevista para esgotar sua produção em Itabira. Somente a cidade do interior mineiro respondeu por um pouco menos de 12% das 302 milhões de toneladas de minério de ferro extraídas pela empresa ano passado. A informação consta em relatórios da empresa de 2019 e de 2018. Apesar do prognóstico, a intenção da mineradora é continuar operando em Itabira de outras maneiras. Mesmo assim, será um enorme choque à economia estadual.
Minero-dependência
Foi pensando no fim da mineração que a Constituição Federal criou a Compensação Financeira Pela Exploração dos Recursos Minerais (Cfem), espécie de tributo aplicado sobre os lucros das mineradoras. O dinheiro arrecadado, dividido entre os governos federal, estaduais e municipais, deve ser destinado, exclusivamente ao incentivo de outras iniciativas econômicas. Contudo, isso não ocorre.
Em Itabira, por exemplo, 24% dos R$ 581,6 milhões que entraram nos cofres públicos em 2019 referem-se à Cfem. Isso é quase um quarto do orçamento municipal. Segundo Gabriel Quintão, gestor público e morador da cidade, a prefeitura utiliza o dinheiro para “coisas como tapar buraco”. E a cidade não acordou para a exaustão da mina da Vale”.
Tributo sobre a mineração deveria ser destinado para diversificação econômica, o que não ocorre
A maior fatia dos recursos arrecadados com a Cfem, que neste ano já ultrapassou os R$ 4 bilhões, são canalizados aos municípios. Ao menos em Minas, existem denúncias de má uso do dinheiro. É o caso de Itabirito, onde o Tribunal de Contas estadual identificou que parte do dinheiro estaria indo para despesas diárias, como salários de funcionários.
Em razão de muitas administrações municipais não possuírem estrutura adequada na execução dos objetivos da Cfem, muitas vezes o dinheiro que poderia servir para tirar as cidades da dependência da mineração ganha outras finalidades.
Fonte: Brasil de Fato MG