Conflito de Bolsonaro com governadores coloca o país à beira do abismo

por Jorge Gregory

Fonte: Santaportal

Há uma semana temos o maior ritmo de crescimento mundial tanto de infectados quanto de óbitos. Nesse compasso, em duas ou três semanas poderemos passar a marca de 50 mil mortos

A escalada da pandemia no Brasil já permite falar que a perspectiva do país se tornar o epicentro mundial não é mais uma previsão de especialistas e sim uma realidade. A maioria dos governadores e prefeitos, até o momento, fez o que estava a seu alcance para conter e enfrentar a epidemia. O governo federal, entretanto, em vez de coordenar as ações de combate e dar suporte para o enfrentamento da Covid-19, transformou a crise sanitária em instrumento de luta política.

Mesmo com as medidas de contenção dos governos estaduais e municipais, já passamos de mil mortes diárias. Há uma semana temos o maior ritmo de crescimento mundial tanto de infectados quanto de óbitos. Nesse compasso, em duas ou três semanas poderemos passar a marca de 50 mil mortos. Cada município e cada estado tomam as suas medidas, mas sem uma coordenação do Governo Federal, têm alcance limitado, pois as pessoas, que são o meio de transmissão do vírus, circulam livremente de um município e de um estado para outro e a epidemia se espalha por todo o território nacional de forma descontrolada. O Governo Federal, não só não ajuda, como cria dificuldades para a aquisição de equipamentos e para a abertura de novos leitos, em especial para os de terapia intensiva, de forma que o tempo que os governadores ganharam com o isolamento social para preparar o sistema de saúde para enfrentar o pico da pandemia de nada terá servido no sentido de impedir o colapso hospitalar.

A situação atual dos governadores, em decorrência da inação e dos problemas criados por Bolsonaro, é semelhante à de um personagem de desenho animado que, ao provocar uma pequena fissura em uma barragem, corre e coloca o dedo para estancar a água. Mas ao colocar um dedo aparece outra fissura, que tampa com outro dedo, e então aparece outra e outra e outra, e quando ele já ocupou todos os dedos dos pés e das mãos e até mesmo o nariz, começa uma enorme rachadura e a barragem vem abaixo, causando uma inundação. Os governadores já ocuparam todos os seus dedos e a rachadura epidêmica já é evidente, de forma que a avalanche de contaminação e óbitos nestes próximos dias é inevitável. Sequer o isolamento social os governadores conseguem implementar de forma satisfatória, pois não bastasse a inação e sabotagem do Governo Federal, o próprio Presidente estimula a população a sair às ruas, em especial a parcela de seus fanáticos seguidores.

Mas não é só o descaso federal para com a crise sanitária que os governadores enfrentam. Bolsonaro, com apoio da ala militar do governo, transformou a crise sanitária em palco de batalha para tentar aniquilar politicamente os governadores, em especial Dória, Witzel e os do Nordeste. Estimula não só a população a não aderir ao isolamento social, como estimula e conclama segmentos sociais a se confrontarem abertamente com os governadores, até mesmo em manifestações de rua. Uma sequência de fatos demonstra claramente que Bolsonaro partiu para uma ofensiva neste sentido.

No dia 7 de abril, ao receber em audiência 15 empresários do setor industrial, ele os surpreende arrastando-os para o Supremo Tribunal Federal. O objetivo de tal ato não era somente o de constranger e tentar obrigar Dias Toffoli a rever a decisão de autonomia dos prefeitos e governadores para fixar as medidas de isolamento. Por trás da atitude estava também o objetivo de insuflar o empresariado contra os governadores.

No dia 11, durante entrevista coletiva, o próprio Ministro da Saúde foi surpreendido com a edição de um decreto que ampliava as atividades essenciais para academias de ginástica, salões de beleza e barbearias. No mesmo dia ocorria na Avenida Paulista protesto de caminhoneiros contra Dória, Bruno Covas e contra o isolamento social. O objetivo claro do decreto era o de estimular tais segmentos a engrossarem este tipo de manifestação.

No dia 14, é publicado no jornal O Estado de São Paulo artigo do General Vice-Presidente, Hamilton Mourão, que soa como uma tentativa de intimidação ao Ministro Celso de Mello, ao Procurador Augusto Aras, aos presidentes da Câmara e do Senado e aos governadores. Em suas críticas, Mourão acusa governadores, magistrados e legisladores de degradação do conhecimento político e de usurpação das prerrogativas do Poder Executivo. Cobra ainda da imprensa que “opiniões, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação”.

No mesmo dia, pela manhã, em teleconferência promovida pela Fiesp, Bolsonaro afirma que “pelo governo federal, no que depender de nós, estava tudo aberto, no isolamento vertical, e ponto final” e complementa que “os governadores, cada um assumiu a sua responsabilidade e houve uma concorrência entre muitos para ver quem fechava mais, quem defendia mais a vida do seu eleitor, do seu cidadão, do seu Estado em relação aos outros”.

Ainda no dia 14, o General Ministro Braga Netto praticamente intima Rodrigo Maia para uma reunião no Palácio do Planalto e na sequência o faz se reunir com Bolsonaro. O presidente da Câmara sai dos dois encontros falando mansinho, referindo-se ao diálogo como se não fosse exatamente Bolsonaro a ter desencadeado uma semana de ofensivas visando atacar em especial os governadores.

Atuando de forma isolada e individual, enfrentando estas duas frentes, a pandêmica e a política, os governadores serão inevitavelmente derrotados. Já passou da hora de se articularem para uma ação coordenada de enfrentamento à Covid-19 e ao Bolsonarovírus.

Mais, já passou da hora de a sociedade civil, envolvendo instituições como a CNBB, ABI, OAB, centrais sindicais, confederações empresariais, partidos políticos, intelectuais, artistas e demais personalidades, envolvendo também o Poder Legislativo e Judiciário, se articularem em torno de um plano emergencial sanitário e econômico e em defesa da democracia.

É bem verdade que praticamente metade da população já apoia a renúncia ou o impeachment de Bolsonaro. Mas, por outro lado, o insano ainda conta com apoio de cerca de 30% e os militares lhe dão sustentação. Cresce o seu desgaste e isolamento, mas não cairá de maduro. Em tempos de isolamento social, quando as manifestações populares se tornam proibitivas, somente uma ampla frente com as características acima pode salvar o país de um desastre epidêmico e econômico e impedir que a democracia seja comprometida de forma irremediável. Ou se retira Bolsonaro do poder imediatamente ou o Brasil afundará no abismo.

Jorge Gregory é jornalista e professor universitário.

Fonte: publicado originalmente em Vermelho.org

 

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