O encontro que John Bolton, conselheiro de segurança nacional de Donald Trump, terá com o presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, dia 29 de novembro, sinaliza uma nova etapa da política externa dos Estados Unidos na América Latina.
Um dos principais objetivos desta ofensiva, contando com o apoio do futuro governo Bolsonaro, é confrontar os governos de Cuba, Venezuela e Nicarágua, que Bolton já chamou de “troika da tirania”. A avaliação é do pesquisador francês Christophe Ventura, do Institut de Relations Internationales et Strategiques (IRIS), que publicou em sua página no Facebook um comentário sobre “a nova metáfora da ingerência e da desestabilização da região latinoamericana”.
Bolton confirmou seu encontro com Bolsonaro por meio de sua conta no Twitter: “Estamos ansiosos para ver o próximo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, no Rio, em 29 de novembro. Compartilhamos muitos interesses bilaterais e trabalharemos de perto para expandir a liberdade e a prosperidade no Hemisfério Ocidental”. O conselheiro de segurança nacional dos EUA definiu como um “oportunidade histórica” a possibilidade de alinhamento do governo Bolsonaro com a agenda do governo Trump para a região.
No dia seguinte ao encontro de Bolton com Bolsonaro, Trump estará em Buenos Aires participando da reunião do G20. A expectativa de Trump, assinala Christophe Ventura, é contar com o apoio de países como Brasil, Argentina e Colombia para facilitar a “mudança de regime” em Cuba, Venezuela e na Nicarágua, em nome da promoção dos valores da “democracia e dos direitos humanos”. A eleição de Bolsonaro no Brasil forneceu ao governo norte-americano o ponto de apoio que faltava para uma estratégia mais agressiva na região. Na campanha eleitoral, lembra o pesquisador francês, Bolsonaro fez várias ameaças a Venezuela e levantou a possibilidade de o Brasil romper relações diplomáticas com Cuba. As declarações hostis de Bolsonaro aos médicos cubanos que estava trabalhando no Brasil fizeram Havana chamar esses profissionais de volta para casa. A atuação dos médicos cubanos beneficiava especialmente a população de regiões pobres de periferia e no interior, incluindo aí territórios indígenas.
As fórmulas utilizadas pelos Estados Unidos e seu emprego no discurso público, observa ainda o pesquisador do IRIS, não são jamais fruto do acaso nem uma retórica neutra. Ventura recorda o discurso do “eixo do mal”, utilizado por George W. Bush em 2002 e suas conseqüências. “John Bolton chega com argumentos para se reaproximar do Brasil: promessas de acordos comerciais privilegiados e protetores, em tempos de unilateralismo defendido por Trump. O Brasil é um importante fornecedor de matérias primas da primeira potência mundial”. Bolsonaro, por sua parte, acrescenta o pesquisador, enviou alguns sinais na direção de Trump durante a campanha eleitoral, manifestando-se disposto a frear a presença da China na América Latina (país que tem fortes relações com Venezuela e Cuba) e a realinhar a política externa brasileira na direção de Washington. “A América Latina inaugura um período imprevisível que poderá exacerbar as tensões na região”, conclui Ventura.
Mudança de embaixada para Jerusalém
Os acenos de Bolsonaro a Trump não se limitam a América Latina. A intenção do presidente eleito de seguir o exemplo dos Estados Unidos e mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém foi reafirmada nesta terça-feira, em Washington, por Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro. Segundo reportagem de Paola de Orte, da Agência Brasil, o deputado federal disse que acredita que já está decidido que essa mudança ocorrerá e que a questão não é perguntar se vai ocorrer, mas sim quando. “A gente ainda não sabe ao certo dentro do governo a data, como é que ocorre. A gente tem a intenção e a ideia”, disse Eduardo Bolsonaro apos reunião com o conselheiro sênior e genro de Donald Trump, Jared Kushner, apontado como um dos principais articuladores da política do governo Trump para o Oriente Médio”. O filho de Bolsonaro especulou ainda sobre uma possível estratégia a ser adotada pelo futuro governo na região:
“Eu acredito que a política no Oriente Médio já mudou bastante também. A maioria ali é sunita. E eles veem com grande perigo o Irã. Quem sabe nós apoiando políticas para frear o Irã, que quer dominar aquela região, a gente não consiga um apoio desses países árabes”.
Mourão fala em pragmatismo e cautela
Não está claro ainda até que ponto as ideias da família Bolsonaro para a política externa brasileira são compartilhadas pelos militares que vêm assumindo importante espaço na formação do futuro governo. Em recente entrevista à jornalista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, o vice-presidente de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, defendeu uma postura pragmática e cautelosa em temas envolvendo mudança de embaixada em Israel, política para o Oriente Médio, Venezuela e relações com a China. “Não é o caso de comprar brigas que não podemos vencer”, disse Mourão, referindo-se especificamente ao caso da China. E acrescentou, de modo irônico: “tanto o presidente Bolsonaro quanto o presidente Trump têm uma forma peculiar de lidar com o mundo exterior”.
Chanceler quer “libertar o Itamaraty”
Outra variável dessa equação diz respeito à influência que Ernesto Araújo, indicado por Bolsonaro para assumir o Ministério de Relações Exteriores, terá no futuro governo. O imaginário de Araújo parece mais próximo ao dos Bolsonaro que ao do pragmatismo apregoado pelo general Mourão. Crítico do “globalismo dominando pelo marxismo cultural”, do novo eixo socialista latino-americana, sob os auspícios da China maoísta” e negacionista em relação ao aquecimento global, o futuro chanceler afirmou, em um artigo publicado no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, que pretende “libertar o Itamaraty” (do marxismo que, supostamente, dominaria a política externa brasileira), combater o “alarmismo climático” e as “pautas abortistas e anticristãs em foros multilaterais”.
Fonte: Sul21/ Vermelho.org