por Alex Saratt
A Frente Ampla tem por excelência a missão de impedir o golpe e ditadura fascistas. Todo o resto é adequado ao que está em curso. Em síntese: preferimos que os hipotéticos e potenciais 70% constituam força ao nosso lado ou queremos que cerrem fileiras do lado inimigo?
O debate político nacional agiganta-se e afunila-se. De um lado, um Presidente que apesar dos pesares (literalmente falando) continua com taxa de aprovação razoável, coopta parte do Centrão, mantém base de apoio em faixa própria e junto aos setores militares, evangélicos e do capital financeiro. De outro lado, uma oposição multifacetada, parte dela inclusive aderente à abominável agenda econômica de privatizações e destruição de direitos sociais e políticas públicas, outra parte mais à Esquerda, com nuances de posicionamento, mas de perfil claramente contrário ao Governo Bolsonaro, seus projetos e discursos.
Nesse segundo campo – muitas vezes pantanoso ou manguezal – é onde se localizam os ditos 70% que desaprovam ou repudiam Bolsonaro. Há sérias questões a serem observadas na sua composição (dado político e metodológico arbitrário, afinal não existe um acordo ou compromisso que faça da nuvem oposicionista um organismo minimamente articulado e concertado), dentre as quais se destacam a profundidade, honestidade e veracidade dos intentos do setor (neo)liberal com as causas levantadas, bem como a capacidade do segmento de Esquerda em construir uma unidade interna que dê musculatura, fôlego e foco para empreender uma luta dupla: política, para barrar o golpe e o fascismo; social, em defesa da vida, do emprego e dos direitos.
A questão que surge como fundo é a de qual tática e movimento realizar. Há uma linha geral e ampla que advoga a Democracia e se contrapõe às pretensões golpistas e ditatoriais de Bolsonaro. Nela estão muitos atores políticos que estiveram diretamente envolvidos no impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, na perseguição ao ex-Presidente Lula e no apoio eleitoral à Bolsonaro. Apresentam-se hoje em discórdia com os rumos, práticas e propósitos do Governo e lhe oferecem oposição política moderada. Mas o arco mais amplo conta também com setores da Esquerda que calculam o risco de escalada autoritária como o maior problema a ser enfrentado e admitem composição pontual em cima do tema democrático.
Outra expressão é aquela mais ligada ao PT, que não pactua com uma Frente Democrática ou a condiciona às bandeiras do Fora Bolsonaro, Impeachment Já! e novas Eleições, refutando a mera defesa do Estado Democrático de Direito. Alegam ainda óbices quanto ao projeto econômico da fração opositora (neo)liberal e, não raro, a equivalem aos fascistas. Sem dúvidas, o modelo pretendido pela Direita (neo)liberal destoa das concepções e projetos da Esquerda e sobre eles inexiste acordo ou convergência. Porém, colocá-los no mesmo bojo do fascismo, neste momento, implica em grave erro. Seria admissível que viessem a navegar no leito do autoritarismo e repressão tão logo desalojassem Bolsonaro, devido ao apelo das ideias, discursos e práticas junto à população, mas essa reserva ainda não se configura.
O fato é que os extremos continuam a ser os pontos de tensão e disputa, mas o centro social e político – quase como uma terceira via – se reencontra e pode em um só lance derrotar Bolsonaro e a seção mais esquerdizada, afinal cresce a rejeição ao Presidente e, ao mesmo tempo, o PT mantém um piso alto e um teto baixo. Somente Lula pode extrapolar tais circunstâncias, mas infelizmente é difícil imaginar que recuperará seus direitos políticos num quadro onde não existem ingênuos ou desinteressados.
Porém, a problemática maior volta à baila: a se manter a divisória no campo oposicionista e prosperar a narrativa de que fascistas e neoliberais são a mesma coisa, não estaríamos subestimando o fascismo, unindo quem hoje se desentende e isolando a Esquerda num gueto perigoso? Porque Política se costuma fazer com os adversários, com os amigos se faz churrasco. A lógica advogada por parte da Esquerda é a mesma posição do PSDB, somente com verniz radicalizado.
Sacia a carência ideológica, mas passa léguas ao largo da luta política real. Massageia egos feridos e ressentidos, entretanto despreza o aspecto histórico concreto experimentado nas situações práticas. Rebaixa o marxismo à profissão de fé em vez de tê-lo como “guia para a ação” revolucionária. A Frente Ampla não é um conto de fadas ou uma viagem “all incluse” num transatlântico, é luta política “casa a casa, homem a homem”. Alianças e entendimentos serão feitos e desfeitos ao sabor dos acontecimentos e posições. Assim lutam os revolucionários: a Revolução está na convicção profunda,na essência, não na superficialidade verborrágica e nas aparências.
Responsabilidade, tenência e compromisso inabaláveis, eis o que nos assegura que não haverá traições, tampouco contrabando político ou ideológico. A Frente Ampla tem por excelência a missão de impedir o golpe e ditadura fascistas. Todo o resto é adequado ao que está em curso. Em síntese: preferimos que os hipotéticos e potenciais 70% constituam força ao nosso lado ou queremos que cerrem fileiras do lado inimigo?
Fonte: Brasil 247
*Alex Saratt, professor de História nas redes públicas municipal e estadual em Taquara/RS e dirigente sindical do Cpers/Sindicato.