Aparição do presidente brasileiro é uma das mais esperadas na 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York
O escândalo ambiental que envolve a Amazônia deve ser prioridade no discurso do presidente Jair Bolsonaro (PSL), na abertura dos debates da 74ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira 24. Bolsonaro parece motivado a falar. Afinal, mesmo internado no hospital Vila Nova Star, em São Paulo, em função de uma cirurgia, fez questão de anunciar que discursaria na ONU, ainda que estivesse em cadeira de rodas. Num momento em que lideranças internacionais alvejam o Palácio do Planalto com críticas à conduta ambiental, que recado o Brasil pretende mandar ao mundo?
Na visão do doutor em Relações Internacionais e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) Leonardo Ramos, a aposta será reforçar uma posição soberanista em relação à Amazônia. A jogada já foi ensaiada em pronunciamento televisivo de 23 de agosto, em que afirmou que incêndios florestais ocorrem em todo o mundo e que não podem “servir de pretexto para possíveis sanções internacionais”. A resposta é direta para países europeus, principalmente a França, já que o presidente Emmanuel Macron tenta encabeçar um movimento de pressão ao Brasil e chegou a sugerir que outras nações atuem no gerenciamento da crise do desmatamento na floresta.
De toda forma, o presidente está pressionado a prestar contas ao mundo sobre as providências que tem tomado para conter as queimadas.
“A grande questão deve ser ‘a Amazônia importa, mas vocês estão exagerando’, e associar isso a um discurso que há algum tempo não aparecia nas falas do Brasil na ONU, que é o discurso soberanista. Ou seja, é a ideia de que a Amazônia é importante, mas quem vai lidar com ela somos nós. Do [ex-presidente Fernando] Collor para cá, nós temos todos os presidentes em diálogo com os regimes internacionais que destacavam a questão ambiental. À força, Bolsonaro terá de falar do tema. A diferença é que, tanto Dilma [Rousseff] quando [Michel] Temer, por exemplo, ressaltaram ações positivas e reduções de índices negativos. Agora, pela primeira vez, o Brasil vai falar sobre a Amazônia em uma posição reativa”, avalia Ramos.
Mas a Amazônia pode dividir o discurso com outro tema que ganhou prioridade na política externa de Bolsonaro: a aliança com os Estados Unidos. Esta tônica pode ser inédita se comparada aos cinco discursos anteriores, em que o alinhamento com os americanos não se demonstrara com tamanha estreiteza. A menção aos Estados Unidos pode vir acompanhada de acenos ao Mercosul e à União Europeia, no entanto, os recentes reveses com os europeus podem relegar o acordo comercial anunciado em junho ao segundo plano no discurso.
Ataques a países com governos de orientação socialista, como Cuba e Venezuela, podem ser outra peculiaridade na aparição de Bolsonaro na tribuna das Nações Unidas. A emergente popularidade da chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, na Argentina, às vésperas das eleições presidenciais em outubro, encoraja o chefe do Planalto a atirar seus dardos na direção dos vizinhos “vermelhos”.
Riscos de protestos de diplomatas no momento da fala do presidente brasileiro? É uma das principais expectativas. Na tradição destes eventos, as manifestações se dão de forma silenciosa, ou seja, diplomatas podem não comparecer ao discurso ou abandonarem a Assembleia durante a fala. O ato seria uma novidade contra o Brasil em anos. Para aliados do governo, a margem será de lucro se este movimento for apenas composto por governos já recriminados por Bolsonaro.
Um detalhe é que o presidente provavelmente vai se limitar ao conteúdo escrito do discurso em vez de improvisar. O texto é de autoria conjunta do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que deve usar a viagem a Nova York como mais uma peça de campanha pela sua nomeação à embaixada em Washington.
A agenda de Bolsonaro na Assembleia é bastante curta. Ele viajou na segunda-feira 23 e já tem retorno marcado para quarta-feira 25. O vapt-vupt pode incluir encontros bilaterais, principalmente com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Para Ramos, há baixas perspectivas para surpresas decisivas. O pesquisador menciona dúvidas sobre qual será o status dado por Bolsonaro aos Brics, parceria brasileira com Rússia, Índia, China e África do Sul.
“Há curiosidade sobre qual será o status de China e dos Brics no discurso de Bolsonaro. Pode ser um silêncio ensurdecedor, ou uma menção periférica só para não dizerem que não falou, até porque, neste ano, a cúpula dos Brics será no Brasil. Então, ele deve fazer uma menção, mas não com o mesmo peso, a mesma ênfase que se viu nos últimos anos”, analisa.
Fonte: Carta Capital