Parasita: uma história sobre o capitalismo

“Antes de ser um grande termo sociológico, o capitalismo é apenas a nossa vida”, diz o cineasta sul-coreano Bong Joon-ho sobre o tema do seu mais novo filme, Parasita. O longa aborda os atritos sociais entre duas famílias, os Kim, moradores de um porão, e os Park, residentes de uma mansão luxuosa.

Foto: Reprodução da internet
O parasitismo é a imagem evocada para ilustrar como se sustentam as relações entre ricos e pobres na Coreia do Sul da atualidade. Se, de forma bem-humorada, somos conduzidos a localizar os Kim como parasitas dos Park no início do filme, os papéis se confundem ao longo da história, modulada em tragédia. A relação promíscua entre riqueza e miséria nos faz duvidar sobre quem são os verdadeiros prisioneiros de um sistema de castas que perdura.

A desumanização é outra reflexão trazida por esta sátira anticapitalista. E, aqui, temos algumas notas dostoievskianas emergidas do subsolo para a superfície. Os pobres, habitantes do subterrâneo, são sujeitos de segunda categoria que podem se distinguir pelo cheiro.

A necessidade de sobrevivência que leva os Kim a praticar os planos mais criminosos não é tão reprovável quanto a deferência que os Park dão aos seus subalternos, disfarçada de gentileza. A gentileza, segundo Bong Joon-ho, é um privilégio dos que detêm o poder.

Se o individualismo é a conduta ética esperada no contexto capitalista, é pelo cheiro que um proletário reconhece o outro, e se vê compelido a arriscar a própria liberdade para vingar um membro de sua casta. A consciência de classe em Parasita desperta como um atavismo. Em meio aos anos de exploração, um lampejo que recobra dos pobres insetos os sentimentos mais humanos.

Embora o castigo recaia sobre o crime dos Kim, Parasita não enaltece a moral que possa advir de um discurso meritocrático. A meritocracia, inclusive, é uma máscara de muitas faces, também dissecada neste filme.

A meritocracia dos pobres é a sua malandragem, um uso criativo e amoral da própria inteligência na tentativa de sobreviver. A meritocracia dos ricos é um papel a ser representado se você tiver a sorte de ser bem-nascido. Mas é tudo, essencialmente, uma grande representação.

O despertar dos Kim sobre a própria condição no teatro das castas vem tragicamente. Uma forma lúcida e delusional, bem ao gosto do capitalismo tardio, de Bong Joon-ho dizer que, se a alienação é um cárcere, desenvolver alguma consciência social ainda não é o bastante para nos libertar.

Mas é um começo. Abandonar o pensamento mágico de merecimento em uma lógica econômica injusta é o primeiro passo. A pedra da sorte, que parece guiar a família pobre para uma súbita ascensão social, é finalmente deixada no leito de um rio. Uma imagem budista contra o capital, que é só mais um sistema de crenças, mesmo que, atualmente, seja o dominante em um mundo ocidentalizado.

Um filme híbrido – Assim como o brasileiro Bacurau, Parasita também é um misto de gêneros como comédia, suspense e horror que, embora possa ser interpretado pela crítica especializada como filme de arte, angariando prêmios importantes como a Palma de Ouro em Cannes, foi abraçado pelo público em todo o mundo como blockbuster.

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Em seu perfil no Twitter, o diretor de Bacurau, Kleber Mendonça Filho, recomendou: “Vão ver hoje PARASITA, de Bong Joon Ho. O filme é coreano, mas é brasileiro. E eu quero vê-lo quebrando recordes e deixando os exibidores sem saber como lidar com um filme popular e inteligente mas que o mercado põe na insistência da caixinha do ‘filme de arte’”.

A crítica de Kleber parece endossar os objetivos de Bong Joon-ho ao fazer um filme sobre o capitalismo, mas não para uma elite intelectual, mas para aqueles andam de metrô, os que moram perto das valas, os que habitam o subterrâneo e, por isso, têm o mesmo cheiro. Novas notas para o subsolo vindas da Coreia do Sul.

Carolina Melo: Jornalista pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), interessada em política, feminismo, literatura e cinema
Fonte: Vermelho.org

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