por Gustavo Freire Barbosa
Democratas de pandemia’ buscam limpar a biografia suja pela condescendência ou apoio explícito ao ex-capitão nas eleições de 2018
Faltando seis dias para o primeiro turno da eleição de 2018, o Ibope apontou uma abrupta guinada no quadro que estava se desenhando após Fernando Haddad ter substituído Lula na cabeça de chapa. Em cinco dias, Bolsonaro avançara quatro pontos, enquanto o petista, até então em ascensão, não apenas parara de crescer, mas vira sua rejeição aumentar de 27% para 38%. A do seu adversário estacionara nos 44%.
Mário Magalhães, em artigo publicado no calor do momento e publicado no livro “Sobre lutas e lágrimas: uma biografia de 2018”, escreveu que ainda não se percebera que abalos sísmicos nas profundezas da sociedade tinham deflagrado um tsunami.
Magalhães enumera alguns dos efeitos que influenciaram o quadro eleitoral. Um deles foi a postura da imprensa comercial, televisiva e impressa, em oscilar entre a condescendência e o apoio escancarado ao ex-capitão. Enquanto Globo, Band, RedeTV!, Record e Jovem Pan presenteavam Bolsonaro com latifúndios em sua programação, desrespeitando a legislação eleitoral que proíbe tratamento privilegiado a candidatos, a Folha de S. Paulo ia na contramão da imprensa internacional ao obrigar que seus repórteres o qualificassem como alguém de “direita” ao invés de “extrema direita”.
Outro abalo subterrâneo apontado por Magalhães foi o do submundo das fake news, sobretudo no Whatsapp. Juntos, Facebook, Instagram e Twitter não têm o alcance do aplicativo de troca de mensagens, que em 2017 já era usado por 120 milhões de brasileiros. Segundo o Datafolha, de cada cem eleitores de Bolsonaro, 61 se informavam sobre política através dele. Menos de 40 possuíam esse hábito no caso do eleitorado de Haddad.
Magalhães escreve:
“talvez pesquisadores do comportamento, do poder e da mente jamais cheguem a uma conclusão comum sobre que mal se abateu sobre nós para tanta gente acreditar que o prefeito Haddad distribuíra às creches mamadeiras com o bico em forma de órgão sexual masculino”.
A produção industrial de notícias falsas se estende para além do período eleitoral, estando hoje institucionalizada no Gabinete do Ódio, quartel-geral das milícias de opinião do bolsonarismo. Mantido com dinheiro público, o aparelho opera a alguns metros do gabinete do Presidente da República. É ele que a CPMI das fake news vem cercando.
O bolsonarismo se contorce para enquadrar a ação organizada na produção de fake news como liberdade expressão. Contudo, a profusão de mentiras com o intuito de influenciar disputas políticas está longe de ser a mesma coisa que opinar nas redes. Principalmente se essa disseminação envolve, além de dinheiro público, fraudes no uso de CPF’s, perfis falsos e canais que permitem que notícias falsas viralizem poucas horas depois da sua criação.
Essa máquina vem sendo usada também para difundir mentiras sobre a pandemia. Em seu Twitter, o jornalista Kennedy Alencar qualificou de “democratas de pandemia” os ex-apoiadores de Bolsonaro que hoje se mostram horrorizados com seus métodos.
Gente como Janaína Paschoal, Luciano Huck e Sergio Moro vem dedicando esforços para reescrever suas biografias e maquiar o recalque de terem contribuído para a eleição de Bolsonaro.
Gustavo Freire Barbosa é Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Fonte: Carta Capital