Inquérito, aberto por Janot e enviado a MG, investiga uso de recurso público em compra de jornal
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) abriu inquérito para investigar se a operação de compra do jornal “Hoje em Dia” feita pelo Grupo Bel, em 2013, teria sido financiada por repasses ilegais do governo de Minas e por verba repassada para este fim pela construtora Andrade Gutierrez. A intenção do negócio, segundo informado a Rodrigo Janot, que investigou a denúncia quando era procurador geral da república, seria a de usar o jornal para uma cobertura parcial em favor da campanha presidencial de Aécio Neves.
O senador e sua irmã Andrea Neves são investigados no caso aberto inicialmente pelo Ministério Público Federal (MPF), em 2016. A apuração tramitou em sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, enviado a Minas, o inquérito foi instaurado na semana passada pelo promotor Eduardo Nepomuceno, da 17ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, e está livre de sigilo.
A peça do MPF, agora sob responsabilidade do MPMG, apura se a compra do jornal teria sido viabilizada por meio de recursos de uma desapropriação feita pelo governo de Minas – na época comandado pelo hoje senador Antonio Anastasia (PSDB).
“Na notícia, alegou-se haver sido a compra viabilizada com recursos do governo daquele Estado, no montante de R$ 10 milhões – disponibilizados, em parte, a partir da desapropriação, por valor acima do mercado, de terreno localizado junto à antena de certa emissora de rádio do Grupo Bel”, mostra trecho do inquérito produzido por Janot e enviado ao STF.
No texto, Janot também cita que a construtora Andrade Gutierrez teria participado da compra do jornal por meio de repasses no valor de R$ 2 milhões, “os quais teriam sido transferidos por meio de doação dissimulada, a título de publicidade e patrocínio”. O então procurador geral cita que um laudo feito pela Polícia Federal teria identificado o repasse da empreiteira.
O inquérito do MPMG é baseado na apuração prévia feita pela Procuradoria Geral da República (PGR). O caso foi encaminhado para Minas Gerais após o STF decidir restringir o foro privilegiado de políticos. Além de Aécio e Andrea Neves, Flávio Jacques Carneiro, então sócio-proprietário do Grupo Bel, também é investigado.
Quando comandava a investigação, o MPF chegou a relatar uma série de vínculos entre os investigados. O órgão aponta que foi constatado que a maioria dos sócios do grupo que comprou o jornal já realizou doações eleitorais a candidatos do PSDB. Entre eles estava Antonio Anastasia, agraciado em 2010, quando disputou a reeleição ao governo de Minas. Por causa disso e por ele ter sido governador na época da desapropriação do terreno em questão, ele é citado, mas não é investigado no inquérito.
O deputado federal Sérgio Zveiter (ex-MDB e agora no DEM) também aparece no diagrama do MPF que explica o suposto esquema por ser, na época da compra do jornal, de acordo com a procuradoria, sócio do Grupo Bel. Ele nega qualquer ligação com o grupo.
Rodrigo Janot ainda cita a construtora como uma das envolvidas em outras investigações envolvendo o governo de Minas e o senador Aécio Neves. “É importante lembrar que a Odebrecht também trouxe em colaboração fatos relativos à construção da chamada Cidade Administrativa durante o mandato de Aécio Neves como governador. Tais fatos envolvem a Andrade Gutierrez”, destacou Janot.
No inquérito apresentado pela PGR, consta a denúncia de que, após a compra do jornal “Hoje em Dia” pelo Grupo Bel, a rádio “Arco Íris”, que possuía como sócios-proprietários Aécio e sua irmã, seria a responsável por pagar os salários do jornalista Ricardo Galuppo, que assumiu o cargo de diretor de jornalismo do “Hoje em Dia”.
“Ademais, segundo os autos, há uma mudança do editorial do jornal ‘Hoje em Dia’ em favor da imagem do parlamentar, o que, em tese, seria mais uma evidência a apontar a vinculação entre os imputados e a aquisição do referido jornal”, mostra outra parte do texto de Janot presente na peça de Nepomuceno.
Os acusados negam as acusações.
Outro caso investiga venda de prédio
O Ministério Público Federal (MPF) também tem outras linhas de investigação envolvendo o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o Grupo Bel.
Conforme delação premiada feita pelo empresário Joesley Batista, da JBS, um prédio em que funcionava o jornal “Hoje em Dia” teria sido vendido para a empresa tendo como objetivo o repasse de recursos ao senador. Na transação, a J&F Investimentos, controladora da JBS, comprou da Ediminas S/A – Editora Gráfica Industrial de Minas Gerais, o imóvel e um terreno ao lado da construção por R$ 17.354.824,75.
Segundo Joesley Batista, antes mesmo dessa operação, cerca de R$ 2,5 milhões foram repassados a Aécio para a campanha presidencial de 2014, por meio da compra de publicidade antecipada do veículo de comunicação. O sócio da JBS afirmou ter repassado R$ 17 milhões ao senador com a compra superfaturada do prédio em Belo Horizonte, de propriedade de um aliado do senado.
Senador já é réu no Supremo por pedido de R$ 2 milhões
Em abril, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réu o senador Aécio Neves (PSDB-MG) pelos crimes de corrupção passiva e obstrução à Justiça. Com a decisão, os ministros confirmaram que os indícios apontados pela Procuradoria Geral da República (PGR), no inquérito que envolve o suposto empréstimo de Joesley Batista, são suficientes, neste momento, para que o senador responda aos crimes por meio de ação penal.
A entidade acusa Aécio de receber R$ 2 milhões de Joesley Batista, oriundos do grupo J&F, de forma ilícita e de tentar atrapalhar as investigações da Lava Jato. Os demais acusados, Andrea Neves, Frederico Pacheco de Medeiros e Mendherson Souza Lima, se tornaram réus pelo crime de corrupção passiva.
Tificação
Corrupção passiva. Na avaliação do MPF, os investigados teriam recebido vantagem indevida em razão do cargo, o que implicaria em corrupção passiva majorado em relação aos agentes públicos (no caso, Aécio Neves).
Corrupção ativa. Também foi considerado pelo MPF que a eventual participação de pessoas relacionadas à Andrade Gutierrez poderia, se provada, configurar o crime de corrupção ativa.
Lavagem de dinheiro. O então procurador geral Rodrigo Janot cita que o possível pagamento da propina realizado de forma “dissimulada”, mediante pagamento de “publicidade e patrocínio”, poderia caracterizar, em tese, crime de lavagem de dinheiro, caso seja realmente comprovado.
Citados rechaçam irregularidade em compra de jornal
Os citados no inquérito que apura o suposto uso de dinheiro do governo de Minas Gerais e de propinas da Andrade Gutierrez para a compra do jornal “Hoje em Dia” pelo grupo Bel, a pedido do senador Aécio Neves, negam todas as acusações e apontam inconsistências na denúncia feita ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
Principal citado na apuração, Aécio Neves (PSDB-MG) chamou as denúncias de “infundadas” oriundas de adversários políticos no Estado. O tucano lembrou que, na época da venda do jornal, não ocupava mais o cargo de governador de Minas Gerais. A cadeira do Executivo estadual, em 2013, era ocupada pelo hoje também senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que também nega irregularidades e defende que a investigação seja feita caso existam dúvidas.
Proprietário do Grupo Bel, o empresário Flávio Carneiro negou que o governo de Minas tenha atuado na compra do “Hoje em Dia”. Ele também defendeu que a cobertura jornalística da campanha presidencial de Aécio Neves, em 2014, feita pelo veículo, foi imparcial.
Colocado pelo MPF como um dos sócios do Grupo Bel, o deputado federal Sérgio Zveiter (DEM-RJ) negou que pertença ou já tenha participado do quadro societário da empresa. Ele garantiu que a doação eleitoral feita pela empresa Andrade Gutierrez fora destinada a seu partido, e não diretamente a ele.
O jornalista Ricardo Galluppo negou, igualmente, que tenha recebido salários pagos por uma rádio de Aécio. A construtora Andrade Gutierrez afirmou que não iria se manifestar sobre o assunto. Já a defesa de Andrea Neves, procurada por mensagem e ligação telefônica, não respondeu até o fechamento desta edição.
Fonte: O Tempo