Emenda 95, o enfraquecimento do pacto social

Por trás da aprovação da lei de teto dos gastos, um programa de privatização, concentração de renda e exclusão social

A juventude foi às ruas contra os ataques do governo Temer / Foto: Levante Popular da Juventude

Em 1988 surge a Constituição Federal. Um grande pacto social é assinado em nome do bem-estar e proteção social. São reconhecidos como direitos sociais, entre outros, a educação, a saúde, a segurança, a previdência social, a assistência. Sendo o Estado o detentor e responsável pela sua aplicação. A emenda 95, conhecida como a PEC da Morte (PEC 241/2016, quando em tramitação na Câmara dos Deputados e PEC 55/2016, no Senado Federal), rompe esse pacto. Essa austeridade econômica defendida pelo governo, interrompe o que vinha sendo implantado. Enfraquece e limita os investimentos em políticas sociais, fragilizando toda a rede de proteção social.

Nessa nova regra, o gasto primário do governo federal fica limitado por um teto definido pelo montante gasto no ano anterior, reajustado pela inflação acumulada, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). “Quando a emenda diz que a partir de agora o crescimento é só pelo índice do IPCA, ela está dizendo que os gastos sociais serão reduzidos, porque o crescimento do índice é insuficiente para contemplar o crescimento da população”, afirma Dão Real Pereira dos Santos, diretor do Instituto Justiça Fiscal. Em termos sociais, trata-se de uma verdadeira ponte para o passado. “Mesmo que a economia volte a crescer, as receitas públicas se recuperem, se promova efetivo combate à sonegação, os gastos sociais estarão condenados à estagnação. No entanto, poderão continuar crescendo, significando que o Estado não só deixará de atuar na redução da pobreza, como se transformará num poderoso instrumento de acumulação e concentração de riquezas”, afirma.

Para Getulio Vargas Júnior, presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), e membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho Nacional das Cidades, a emenda faz parte de um projeto ultraliberal. “Cada vez mais o trabalhador vai trabalhar e não vai ter retorno em serviço e políticas sociais. Toda a rede de proteção social, toda política de moradia, saneamento, infraestrutura urbana, todo tipo de investimento público que ajudara a transformar o país nos últimos 15 anos, desde a emenda estão gradativamente congelando ou acabando”, salientou.

No estado, o governador Sartori tem como objetivo de sua candidatura, assinar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, uma espécie de versão gaúcha da EC95.

Crise na segurança vai aumentar

A segurança pública, em nosso estado, atravessa uma das piores crises de sua história, afirma Fábio Nunes Castro, vice-presidente da Ugeirm, o Sindicato dos agentes de polícia do RS. Até julho desse ano foram investidos na segurança pública um total de R$ 27.207.889,00 que, se comparados ao total investido durante os quatro anos do governo anterior, R$181.537.892,00. “Dá para constatar que houve uma redução significativa dos investimentos na área, o que justifica o caos no sistema prisional, para ficar em um exemplo. “Na segurança pública significa que mais pessoas continuarão sendo assassinadas, que políticas públicas como as patrulhas Maria da Penha, que fornecia uma certa segurança às mulheres vítimas de violência, e que foram extintas no governo Sartori, não poderão ser retomadas.”

De acordo com Marcos Rolim, doutor e mestre em Sociologia, jornalista e presidente do Instituto Cidade Segura, o Brasil tem investido cada vez mais em Segurança Pública. Hoje, esses gastos são de 82 bilhões por ano, o que é 1,4% do PIB. No RS, os gastos na área praticamente dobraram em 10 anos. “Os números evidenciam que o Brasil gasta muito em Segurança. O problema real é a qualidade desse gasto. Na prática, gastamos muito e mal. O perfil dos investimentos, por exemplo, segue sendo o da compra de viaturas e armamentos, quando se deveria investir em áreas prioritárias como gestão, inteligência e formação de pessoal.”

Para Rolim, a emenda 95 dificulta que os governos invistam recursos em prevenção social da violência e em novas abordagens e programas que podem produzir resultados muito efetivos na área da Segurança. “As dificuldades de investimento, por seu turno, irão pressionar para que os governos busquem parcerias com a iniciativa privada, o que só costuma ser positivo quando se lida com um marco regulador que assegure a destinação pública dos recursos. Na prática, o que tem ocorrido no Brasil é que a participação da iniciativa privada na Segurança tende a privatizar os benefícios e a socializar os prejuízos.”

Educação e Saúde são vistas como mercadorias

No Brasil inteiro os movimentos sociais se mobilizaram contra a PEC do Teto dos Gastos / Levante Popular da Juventude

A  Constituição determina um percentual mínimo de aplicação de recursos com ações e serviços públicos de saúde, que corresponde a 15% da receita corrente líquida, no caso da União. No caso dos estados e municípios, o percentual é de 12% e 15% do produto da arrecadação dos impostos, respectivamente. Para educação, os gastos mínimos com a manutenção e desenvolvimento do ensino devem ser de 18% da receita de impostos, no caso da União e de 25% da receita de impostos e transferências para estados e municípios.

A Emenda acaba com isso e abre espaço para disputa entre as áreas por fatias do orçamento. Ela compromete o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014 que previa que em 2019, deveria ser atingido o índice de 7% do PIB em investimento em educação, e em 2024, alcançar o patamar de 10%. A partir da lei de teto dos gastos, as metas do PNE estão inviabilizadas.

Sem vitimização

Para Sônia Maria Seadi Veríssimo da Fonseca, presidente do Conselho Estadual de Educação, há um esforço grande do governo do RS para qualificar a educação. Esse momento é bastante desafiador, o teto de gastos tem um impacto nas políticas públicas. Esse congelamento precisa ser revisto. “Se nós tivermos o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb – válido até 2020) definitivo, a fixação do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) há esperança de investimento maior, a possibilidade de financiamento fixo. Precisamos fazer a nossa parte, abandonar o sentimento de vitimização, ter uma atitude pró-ativa”.

Na avaliação de Solange da Silva Carvalho, vice-Presidente do Cpers Sindicato, as medidas que estão sendo tomadas vem casando com o pós golpe, de adotar o Estado mínimo. “Dizendo que querem enxugar a máquina, economizar em nome de uma crise econômica, eles vão cortar exatamente nas políticas públicas e sociais, como a educação, que é um dos pontos fundamentais da nossa vida”. O objetivo do governo é facilitar a terceirização, os convênios com grandes grupos empresariais como o Kroton (Kroton Educacional é uma das maiores organizações educacionais privadas do Brasil e do mundo). O grupo está interessado em fazer os convênios, já estão comprando faculdades, colégios, e tem interesse em vender as plataformas digitais (para o ensino a distância).

Mais doenças

Na saúde, mais de 150 milhões de pessoas dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com Fernando Pigatto, membro do CNS, o prejuízo estimado para saúde é de R$ 438 bilhões. “Se essa regra tivesse valendo há uns 10 anos atrás, por exemplo, ao invés de R$ 100 bilhões que foram aplicados em 2015, seriam 69 bilhões, ou seja, diferença de quase 1/3 de recurso a menos aplicado, menos UPAs (Unidade de Pronto Atendimento, menos transplantes, menos cirurgias, menos SUS.”

A atenção básica que resolve 80% dos problemas da saúde da população será, com certeza, a médio e longo prazo a mais afetada. Boa parte da atenção básica no Brasil, no RS e mesmo em Porto Alegre é terceirizada, precarizada e privatizada. “A emenda vai aumentar essa situação, vai aumentar o adoecimento”, aponta Cláudio Augustin, presidente do Conselho Estadual de Saúde. De acordo com Augustin, até o governo Yeda a média de investimento era 4%, com o governo Tarso chegou a 9%, no governo Sartori está na faixa de uns 6/7%. “Se eu fizer o ajuste fiscal pela renegociação da dívida, vai cair para 3/4%. Essa é a questão. A falta de recurso começa a reduzir o dinheiro para tudo.”

Quem ganha com isso? 

São os grandes grupos econômicos. “A gente sabe que por trás disso não estava só o congelamento, e que os recursos vão diminuindo. Na carona da EC vem o fortalecimento dos planos de Saúde. A tentativa inclusive dentro do Ministério de Saúde de implantar os planos populares/acessíveis de saúde, que tem a finalidade de repassar para a iniciativa privada serviços que são prestados pelo SUS”, aponta Pigatto.

É preciso ter uma estrutura pública para o atendimento, a própria Constituição prevê o setor privado na área da saúde, mas de forma subordinada e complementar ao público. O que assistimos hoje é o inverso. “Há toda uma transformação que tem que ser feita e essa transformação vai exigir muita luta, ter muita organização dos trabalhadores. Se nós queremos ter uma saúde pública que atenda as necessidades da população, vamos ter que lutar pelo SUS”, finaliza Augustin.

EC95 pode acabar com a Assistência Social

A política de Assistência Social assim como a Seguridade Social como um todo vem sendo atropelada pelas reformas conservadoras e pelas políticas econômicas neoliberais do Governo Temer, pontua Agnaldo Engel Knevitz, assistente Social, presidente do Conselho Regional de Serviço Social do RS. “A Política de Assistência Social é a que sofre mais diretamente os impactos da EC 95, uma vez que diferentemente da Saúde e Educação, ainda não possui um mínimo percentual da arrecadação pactuado para cada esfera de governo.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2019 com a disponibilidade de R$ 30,899 bilhões para a área de assistência social pelo Governo Federal em contraponto a proposta aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS que previa um orçamento de R$ 61,136 bilhões, significando nada menos que uma redução de 49,46% em relação ao proposto pelo CNAS. A redução do orçamento coloca em risco o – Sistema Único de Assistência Social – SUAS, compromete a manutenção e continuidade dos serviços, benefícios e a oferta dos direitos socioassistenciais. Só no Estado do RS, dos 588 CRAS instalados, 557 são co-financiados pelo governo federal, assim como 109 CREAS dos 126 em funcionamento e os 13 Centros-POP.

“É necessário e urgente a revogação da EC 95 que congela os gastos com as políticas sociais frente ao desastre que significa para a ampla parcela da população. Defendemos investimentos nas políticas públicas e como alternativa é importante destacar a urgente reforma tributária no Brasil com a taxação das grandes fortunas e tributação progressiva”, conclui Knevitz.

Fonte: Brasil de Fato/RS

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