por Paulo Pimenta
Se perguntado, Moro dirá: estamos fazendo tudo dentro da lei, como diria o jurista Karl Schmitt, aquele que legalizava a vontade do Führer
Para sermos honestos, a esta altura não deveria causar espanto à sociedade brasileira o comportamento do secretário especial de Cultura, demitido na última sexta-feira, 17 de janeiro. Seu comportamento à frente do órgão, suas declarações, os insultos que proferiu e sobretudo a cruzada contra o que há de mais representativo da inteligência e da cultura brasileiras enquanto ocupou a cadeira e, por fim, o vídeo que resultou em sua demissão, guardam inteira coerência com os rumos do governo que o nomeou.
O vídeo em que produziu um karaokê aplicado sobre um discurso de Joseph Goebbels, uma das mais sinistras figuras do nazismo – aquele que envenenou os próprios filhos antes de se suicidar – apenas explicitou o pensamento que conduz o governo brasileiro não apenas no que toca à cultura, mas ao conjunto dos seus propósitos com relação ao país.
Nomeado por quem defendeu e defende a tortura, sempre que instado a fazê-lo, como método e como prática; por quem homenageou o Coronel Ustra, o carniceiro do Doi-CODI do II Exército, ao proferir seu voto na encenada sessão do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, diante do aplauso de alguns, da indiferença e do silêncio da maioria, esse episódio não nos permite o benefício da surpresa.
A legítima e indignada reação de amplos setores sociais, políticos e midiáticos, absolutamente necessária, para o combate ao neofascismo que se expande no país, não exclui boa dose de hipocrisia. Talvez pela considerável coincidência entre os critérios utilizados, particularmente pela mídia eletrônica, e aqueles recomendados por Goebbels no tratamento da informação e sua utilização como mecanismo totalitário para a produção de consensos, ficou embotada a sensibilidade dos monopólios de comunicação brasileiros e tornou-os impermeáveis a uma comunicação plural, democrática.
Goebbels utilizou sobretudo o rádio, seu instrumento de preferência, durante o período de 33 a 45, e depois, associado a Hollywood, a indústria cinematográfica, para convencer seu público na Alemanha. Para a imprensa escrita ele reservava a força das hordas das SAs, quando os jornais escapavam do controle. No Brasil do século XXI temos as concessionárias de TV com um alcance extraordinariamente maior e um indiscutível poder de modelar para além dos hábitos de consumo da sociedade, o perfil do entretenimento oferecido e, em certos momentos, as opções políticas dos cidadãos. A partir de 2018, o país assistiu a aplicação daqueles critérios, do Dr. Goebbels, por meio das redes sociais, com um poder excepcional para replicar a mentira – aqui digerida como fake news – porque em inglês sempre vem revestida de maior autoridade…
Não podemos separar a calamidade que se abate sobre a cultura brasileira, do Estado policial que se estabeleceu desde o golpe de 2016. Hoje, ele se consolida pelas mãos de Moro à frente do Ministério da Justiça e dos instrumentos do próprio Estado brasileiro.
O Brasil vive um regime cada vez mais abertamente fascista. A democracia é apenas aparente e as instituições estão perdendo a capacidade de frear os abusos de Bolsonaro e de seus cúmplices. É o caso do Supremo Tribunal Federal (STF), que havia determinado, através de decisão do ministro Gilmar Mendes, que Glenn Greenwald não poderia ser objeto de investigação no episódio do vazamento de mensagens que gerou as reportagens da “Vaza Jato”. Com a denúncia do procurador do MPF de Brasília, o STF foi sumariamente desrespeitado.
Neste momento, testemunhamos como se opera a ofensiva do MP contra o jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, por ter exercido seus direitos à liberdade de expressão e liberdade de imprensa assegurados pela Constituição, e denunciado os crimes cometidos pelo então juiz e agora ministro Sérgio Moro. O ex-juiz e agora ministro que move contra ele o aparato institucional do Estado. Se perguntado, Moro certamente dirá: estamos fazendo tudo dentro da lei, como diria o jurista Karl Schmitt, aquele que legalizava a vontade do Führer.
Fonte: Carta Capital