“O Brasil, lamentavelmente, entrou no jogo eleitoral de Israel”

Embaixador da Palestina Ibrahim Al Zebem diz que escritório em Jerusalém é medida desnecessária

Brazilian President Jair Bolsonaro (L) and Israeli Prime Minister Benjamin Netanyahu touch the Western wall, the holiest site where Jews can pray, in the Old City of Jerusalem on April 1, 2019. – Bolsonaro arrived in Israel just ahead of the country’s polls in which his ally Prime Minister Benjamin Netanyahu faces a tough re-election fight. (Photo by Menahem KAHANA / POOL / AFP)

A viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel foi um festival de trapalhadas diplomáticas. Para o embaixador da Autoridade Palestina no Brasil, Ibrahim Al Zebem, além da adoção da medida de abertura do escritório de representação em Jerusalém ter sido “apressada, precipitada e desnecessária”, Bolsonaro foi mal assessorado ao visitar o Muro das Lamentações acompanhado do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. “Ele quebrou uma regra internacional e da própria política brasileira.” Leia a seguir a entrevista que concedeu a CartaCapital.

Carta Capital – Como o senhor analisa a decisão do governo brasileiro de abrir um escritório de representação em Jerusalém?

Ibrahim Al Zebem – Penso que foi uma decisão apressada, uma medida totalmente precipitada, desnecessária e que houve uma enorme pressão por parte de Israel. Penso que o ideal, neste caso, seria o governo brasileiro abrir um escritório de representação na parte ocidental de Jerusalém para atender os interesses e negócios com Israel, e na parte oriental, outra representação para atender os interesses palestinos. Afinal, a Jerusalém Oriental é reconhecida pela comunidade internacional como território ocupado e capital dos palestinos. Aliás, a ONU reconhece que Jerusalém é Palestina. Ou então, por enquanto, não tomar nenhuma medida.

CC – O senhor fala em “pressão de Israel”. Que tipo de pressão?

IAZ – Diria que a pressão se chama Benjamin Netanyahu. Ele está em campanha e quer mostrar a seu eleitorado que é capaz de trazer, na arena internacional, parcerias que o façam vitorioso especialmente nos temas relacionados a Jerusalém. O Brasil, lamentavelmente, acabou entrando no jogo eleitoral de Israel.

CC – Isto significa que o interesse do primeiro-ministro Netanyahu se dá pela aproximação do governo Bolsonaro a Trump?

IAZ – Sim, este é o motivo. O interesse de Netanyahu pelo Brasil é justamente pelo seu alinhamento com os Estados Unidos, com o governo de Donald Trump. Claro que o Brasil tem um papel de grande importância no continente, é uma espécie de pilar da América Latina. O país tem uma posição de muito respeito perante o mundo. Mas a aproximação com os EUA tem forte influência nesta relação com Israel.

CC – Esta medida pode trazer consequências nas relações econômicas entre o Brasil e a comunidade árabe?

IAZ – Sem dúvida que esta medida não é bem vista. Aliás, qualquer medida desequilibrada que diga respeito aos conflitos no Oriente Médio não é bem vista. Não só pelo mundo árabe, mas pela maioria dos países. Afinal, trata-se de uma afronta ao direito internacional. O Brasil sempre se caracterizou, ao longo dos anos, pelo respeito às regras do direito internacional, às resoluções da ONU, ao bom senso. O Brasil não pode abrir mão de todas estas conquistas na diplomacia mundial. E não falo dos últimos 10 ou 20 anos. O Brasil conquistou esta posição desde 1945, por ocasião da fundação da ONU. Agora, abrir mão deste respeito, destas conquistas, a troco de quê? Qual o benefício? Esta é a pergunta que os brasileiros devem responder.

CC – As declarações do presidente Bolsonaro mostram que a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém é apenas uma questão de tempo. O Conselho de Embaixadores Árabes no Brasil pediu nesta segunda feira 1º uma audiência com o presidente e seu chanceler, Ernesto Araújo. O senhor acredita que é possível dialogar e reverter esta situação?

IAZ – Acredito na diplomacia e no que ela é capaz de realizar. Confio no bom senso da classe política brasileira e, neste caso, para estabelecer contato e diálogo com o novo governo. O presidente retorna na quarta-feira e poderá analisar melhor. Aliás, nós, até agora, não tivemos diálogo com o governo Bolsonaro. E na diplomacia não existe nunca a última palavra. Ficamos sempre na penúltima palavra. A última é justamente para a negociação, para o diálogo, para o entendimento. Por isso, renovamos o pedido de um novo encontro com o presidente Bolsonaro. Já havíamos solicitado um espaço em sua agenda, tanto dele como do chanceler, mas por questões outras não tivemos oportunidade de sentar e conversar. Agora, estamos confiantes que isto será possível.

CC – A proximidade do governo brasileiro com os Estados Unidos e Israel, de forma tão acentuada como agora, preocupa o governo da Autoridade Palestina?

IAZ – Na medida em que afeta nossas relações, sim. Os Estados Unidos, em diversas oportunidades, tomaram medidas agressivas e desnecessárias contra a Palestina. Pressionaram seus aliados a votar, na ONU, contra os interesses dos palestinos e demonstram apoio incondicional a Israel. Quando me refiro ao apoio, quero dizer em relação às ocupações de nossos territórios, aos assassinatos de palestinos e aos ataques a Gaza, à Cisjordânia e à retirada de apoios internacionais para a Autoridade Palestina. Claro que nos preocupa, porque estas pressões possam afetar nosso relacionamento com o Brasil.

CC – No domingo, enquanto o presidente Bolsonaro se encontrava com o primeiro-ministro Netanyahu, as forças armadas de Israel bombardeavam a Palestina.

IAZ – Sim, sim. Na verdade, os ataques contra os palestinos não cessam. O maior ataque contra a Palestina é continuar com a ocupação militar, negar o cumprimento das resoluções da ONU, negar os direitos do povo palestino, abandonar as negociações do processo de paz. As agressões são contínuas, desde1948 até os dias de hoje.

CC – E o fato de o presidente Bolsonaro não ter aceito o convite para visitar a Palestina?

IAZ – É preciso que se diga que ele não se negou a ir a Palestina. Segundo seu porta-voz, foi uma questão de agenda.

CC – Mas ele foi convidado a visitar a Palestina?

IAZ – Sim, nós sugerimos. Ou melhor, eu sugeri que seria bom aproveitar esta viagem e ser ele o mensageiro da paz, indo até a Palestina, afinal, é muito perto de Israel. Não teria sentido fazer outra viagem específica se ele estava tão próximo. O que ouvi, é que ele pode fazer esta visita a qualquer momento.

CC – Qual a repercussão desta atitude junto ao governo da Autoridade Palestina?

IAZ – Temos que entender que cada presidente tem sua agenda, suas prioridades. Queríamos tê-lo recebido para inclusive poder estarmos juntos na Igreja da Natividade e rezarmos pela paz. Uma oportunidade que infelizmente não foi aproveitada.

CC – O presidente Bolsonaro visitou o Muro das Lamentações, localizado na Jerusalém Oriental, acompanhando do primeiro-ministro Netanyahu. Aliás, um fato raro na história da diplomacia. Qual o significado, o simbolismo deste ato para os palestinos, para o mundo árabe?

IAZ – O presidente Bolsonaro foi muito mal assessorado. Seus auxiliares deveriam avisá-lo que se trata de um território ocupado e o que ele fez foi uma violação ao direito internacional. Qualquer autoridade, para visitar um santuário dentro de Jerusalém Oriental, tem que ser organizado por meio das instâncias competentes da Autoridade Palestina. O presidente quebrou uma regra internacional e da própria política brasileira. Nós entendemos perfeitamente as questões religiosas de cada um, respeitamos sua fé, mas o procedimento do presidente não foi o mais adequado.

CC – Há quem tema que uma medida como esta possa colocar o Brasil no mapa dos atentados terroristas. O senhor acredita nesta possibilidade?

IAZ – Absolutamente negativa. O Brasil é um país amigo e queremos apenas aprofundar o diálogo que conduza ao maior entendimento. Insisto que tudo o que aconteceu em Israel foi um mau assessoramento e uma pressão de Netanyahu. Sempre lutamos contra o terrorismo de qualquer índole, inclusive o terrorismo de estado que Israel pratica contra Gaza, Cisjordânia.

CC – O senhor foi convocado por seu governo para uma consulta sobre os fatos acontecidos em Israel, por decisão do governo brasileiro. O senhor já tem uma posição tomada sobre o assunto?

IAZ – A convocatória está feita, mas ainda não há definição da data. Sou um diplomata e represento, em primeiro lugar, os interesses do meu país, das lutas do meu povo. Penso que as relações entre Brasil e Palestina merecem todo o cuidado de nossa parte e da classe política brasileira. Diria que da grande maioria do povo brasileiro. O Brasil sempre foi um país mediador. Espero que continue a sê-lo.

Fonte: Carta Capital

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