Segundo dados apresentados por ONGs, o desmatamento na Amazônia foi maior em territórios com a presença de povos indígenas
O Brasil foi denunciado no Conselho de Direitos Humanos da ONU nesta terça-feira 3 pelo “desmonte das políticas ambientais e indigenistas e pelo risco elevado de genocídio de povos indígenas isolados”. A denúncia, feita durante audiência em Genebra, foi apresentada pelo Instituto Socioambiental, pela Conectas Direitos Humanos e Comissão Arns.
O líder Yanomami Davi Kopenawa também participou da sessão, que acabou não sendo realizada no prédio da ONU devido às novas medidas de segurança adotadas em relação ao coronavírus.
Segundo dados apresentados pelas ONGs, o desmatamento na Amazônia foi maior em territórios com a presença de povos indígenas isolados, que são os mais vulneráveis a doenças. Em 2019, a derrubada da floresta nessas terras cresceu 113%. No total de todas as terras indígenas, o aumento foi de 80%.
Os dados do desmatamento se baseiam no Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explicou Antonio Oviedo, do Instituto Socioambiental. “O evento teve o foco de denunciar o desmonte das políticas públicas que são relacionadas diretamente à vulnerabilidade dos povos indígenas isolados. Então, a gente apresentou um relatório que traz de forma bastante detalhada todas as ações que o governo executou em 2019 e como essas ações têm aumentado o grau de degradação, de ameaça, de invasões, de violência, e a vulnerabilidade desses povos isolados.”
Situação de grande ameaça
À RFI, Laura Greenhalgh, diretora-executiva da Comissão Arns, disse que durante o evento foi falado, em especial, “da situação dos povos isolados da Amazônia que, com as diretrizes e o discurso do atual governo, se encontram numa situação de grande ameaça”.
“Face a todo esse desmantelamento desse aparato institucional que nós conseguimos construir no Brasil e em relação ao discurso do atual governo, que resgata que os índios são pobres, que precisam ganhar dinheiro, que eles são humanos, coisas assim, discursos muito excêntricos e muitas vezes ofensivos, nós viemos à Genebra para falar da situação indígena em geral e para falar da situação dos povos isolados em particular”, ressaltou a representante da Comissão Arns.
No evento, o diplomata Rodrigo Morais afirmou que o governo está “aberto ao diálogo”. “A gente teve a presença desse representante do Itamaraty, que fez uma fala bastante curta. Ele enfatizou que o governo tem procurado estabelecer um diálogo com as comunidades indígenas e mencionou que o projeto de lei que regulamenta a mineração nas terras indígenas é um ponto que está previsto na Constituição. Realmente, tem um capítulo na Constituição dizendo que a regulamentação da mineração em terras indígenas só pode ocorrer mediante aprovação do Congresso.”
Oviedo critica a falta de discussão sobre a questão. “O que a gente acha é que esse projeto de lei deveria ter tido, inicialmente, um amplo debate com as comunidades e organizações indígenas, o que não ocorreu. Esse projeto de lei foi basicamente escrito dentro dos gabinetes e do gabinete ele seguiu direto para o Congresso. Não teve nenhum debate com a sociedade civil, nada”, reiterou o integrante do Instituto Socioambiental.
Questionada sobre o que será feito agora, após apresentação da denúncia, Laura Greenhalgh afirmou que a organização, “em suas relatorias específicas, fica informada da situação dos povos isolados”. “Vamos aguardar. Nosso papel é denunciar e fundamentar o que acontece com estes povos”, explicou.
Além da apresentação dos dados do relatório, as ONGS também levaram para o evento um depoimento em três línguas de Davi Kopenawa tratando da questão dos indígenas isolados. “Estamos denunciando a situação desses povos isolados. Davi falou sobre isso em plenária, na sede das Nações Unidas aqui em Genebra, falamos em vários espaços da sociedade civil, porque, de fato, com as políticas locais, com a mudança de discurso oficial no Brasil, esses índios isolados, de fato, correm risco de etnocídio e genocídio”, disse Laura Greenhalgh.
A expectativa é que algo seja feito para reverter o quadro. “Uma vez que o Brasil é signatário de acordos internacionais que garantem proteção da natureza, garantem direitos dos povos indígenas, a gente espera, no mínimo, que esses órgãos internacionais intercedam ao governo, questionando e pedindo, concretamente, que medidas o governo deve tomar para reduzir esse grau de ameaça, esse impacto ambiental que a gente vem colecionando na Amazônia”, disse Oviedo.
Entre as ameaças iminentes dos povos isolados apontados pelas Ongs estão a invasão de milhares de garimpeiros, terras degradadas, rios contaminados e lideranças ameaçadas de morte. É o caso do guardião da floresta na terra indígena Araribóia, Paulo Paulino Guajajara, foi assassinado em 2019 por defender a floresta da invasão madeireira.
As preocupações dos indígenas
Em entrevista à RFI, o líder Yanomami Davi Kopenawa criticou as ações do governo Bolsonaro. “O presidente do Brasil contratou missionário que vai cuidar do povo isolado. Eu estou preocupado. Missionários são pastores. Eu já conheço eles, já aconteceu comigo. Esse missionário vai evangelizar os parentes isolados. Eu pedi para a ONU defender eles. Aqui na Europa, vocês têm força para fazer um barulho e não deixar acontecer isso”, disse.
Davi disse também que os “missionários levam doenças”. “Eu não estou contente com o Presidente da República do Brasil. Ele está querendo acabar com o meu povo”, ressaltou.
O líder indígena apontou alguns dos perigos que cercam sua comunidade. “O meu povo está adoentado, e o nosso governo brasileiro não está cuidando da saúde com qualidade. Tem pouco remédio. Não dá para cuidar da saúde do Yanomami. Essa é a nossa preocupação. Nós estamos pegando a doença da malária, que vem do garimpo. Eu também falei da mineração. Não a queremos na terra Yanomami, não está dando certo. Saúde é prioridade para todos. Então, eu falei para saberem o que nós estamos enfrentando, isso é um perigo para nós”.
De acordo com o líder Yanomami, tem “criança morrendo mais de doença”. “A Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] de Brasília, de Boa Vista, não está cuidando direito do meu povo Yanomami”, contou.
Como no passado do Brasil, a preocupação continua sendo com os invasores. Mas agora, o ataque vem de dentro, segundo ele. “A preocupação é com os invasores. Invasão do próprio governo. Nossa terra Yanomami é grande. Bolsonaro está fazendo o grupo ficar forte, sem medo dos Yanomami. Os garimpeiros continuam. Bolsonaro vai diminuir as nossas terras. Eu não quero que aconteça isso. Senão, vai acabar morrendo”, disse o líder indígena à RFI.
Davi Kopenawa também apontou a dificuldade de dialogar com o presidente. “Bolsonaro não quer me ouvir, por isso eu não vou atrás dele. Ele não abre a porta para nós entrarmos”, conclui.
Fonte: Carta Capital