QUEM OCUPA, NÃO TEM CULPA!

Por Isabella Gonçalves e Túlio Freitas

O Primeiro de Maio mais triste da nossa história recente. As luzes da manhã no centro de São Paulo se misturavam com fumaça e lágrimas. Um edifício onde moravam 146 famílias há oito anos desabou em chamas e matou muita gente. Que gente?

Passaram-se dois dias do incêndio e seus nomes sequer conhecemos. A cobertura covarde e racista da mídia nos impede conhecer seus rostos, seus sonhos, seus amores e dores, seu trabalho como diaristas, camelôs, pedreiros, trabalhadores que correm atrás do pão. Suas identidades são absolutamente apagadas por uma cobertura direcionada exclusivamente para culpabilizar e criminalizar as vítimas.

O jornalismo covarde e racista destina ódio aos pobres e aos movimentos sociais. Não se preocupam com tantos que morrem assassinados nas ruas ou de frio e desnutrição. Não anunciam com indignação quando o governo Temer promove o fim dos programas habitacionais para os mais pobres. Não acham absurdo que as ambulâncias não entrem nas ocupações. Que milhares seguem sem atendimento médico por não terem um CEP que comprove sua resistência. Que em um país com 97% de cobertura elétrica, o direito a energia regular segue sendo negado aos pobres e negros que ocupam para ter um teto onde viver.

Aproveitam uma tragédia para promover uma ofensiva, destinando ódio aos ocupantes e aos movimentos sociais. Em quase todas as cidades do país ocupações foram entrevistadas e atacadas como culpadas. Um desses fascistas de plantão, Helio Gurovitz (colunista do Portal G1) do alto de seu conforto e dos seus privilégios escreve sobre as lições da tragédia paulistana e, muito comovido pelas famílias cuja história ele desconhece, sugere que “os movimentos que se aproveitam da omissão pública e da boa-fé da população devem ser presos pelos crimes que cometem.” A tragédia paulistana nos convoca sim a buscar lições, não estas.

A tragédia paulistana nos convoca a pensar sobre a história dessas famílias. Fazer justiça a sua memória, aos seus nomes e a sua (falta) de escolhas. Vivemos em um país onde existem mais de 6,6 milhões de famílias sem teto, quase um décimo da população brasileira que tem que escolher mês a mês se paga o aluguel ou colocar comida em casa. Famílias pobres e negras que podem trabalhar a vida inteira sem nunca conseguir ter acesso regular a terra e a moradia.

Nos convoca a pensar que vivemos em um país com mais de 7 milhões de imóveis vazios e ociosos. Espaços que servem apenas para especular. Que ficam a espera de valorização para um dia serem vendidos por dez vezes o preço. Que nunca sofrem as sanções previstas no Estatuto das Cidades e nos Planos Diretores sobre IPTU compulsório e desapropriação. São lotes baldios cheios de entulhos que oferecem todo tipo de risco a comunidade, prédios suntuosos que durante anos não pagam impostos.

A trajédia paulista nos convoca a cobrar os direitos urbanos dos ocupantes. É comum a prefeitura negar direitos de cidadania a pessoas com base na sua condição de moradia e CEP. O Estado tem o dever de garantir a essas pessoas seus direitos urbanos ao saneamento, energia elétrica regular, atendimento nos postos de saúde, nas creches independente da existência ou não de conflitos possessórios.

A dor nos faz refletir que o nosso país possui na teoria, uma legislação eficiente, que garante na constituição o direito à moradia e possui instrumentos já desenvolvidos para que o problema habitacional seja resolvido. Nos traz a necessidade inclusive de olhar para os Estados Unidos e França, países neoliberais, com diversos outros problemas sociais mas que são extremamente rígidos para com a prática especulativa e ociosidade imobiliária. A responsabilidade direta e objetiva é dos agentes públicos e imobiliários que não vem prioridade na questão habitacional.

A tragédia paulistana nos convoca a perceber que o problema da habitação persiste depois de Pinheirinho. Que despejos e violência policial são incapazes de resolver um problema que é na sua raiz, carne e osso, é um problema social. Que a criminalização dos movimentos não deterá o povo de seguir ocupando. Que são justamente os movimentos que dinamizam uma estrutura de autoproteção coletiva na ausência completa do Estado. Que o desemprego, o congelamento de investimentos públicos e o enxugamento dos direitos sociais no país é o verdadeiro responsável pela crise urbana que nos assola.

E sobretudo, a tragédia paulista, nos convoca a humanidade e solidariedade verdadeira daqueles que se preocupam com a história e a luta de Ricardo, de Selma e seus filhos, e de tantos outros brasileiros e brasileiras que perderam suas vidas naquela tragédia. Suas vidas não importam a canalhas como Helio Gurovitz, nunca importaram. Para nós, elas importam.

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