por ANDRÉ BARROCAL
Crise do coronavírus deixa bem caracterizada a hipótese diagnóstica de que o presidente tem transtorno de personalidade antissocial
Quer entender Jair Bolsonaro diante do coronavírus? Achille Mbembe, filósofo camaronês de 62 anos, é um bom guia. Um governante, diz ele, tem o poder de “definir quem importa e quem não importa, quem é ‘descartável’ e quem não é”, “quem pode viver e quem deve morrer”. Mbembe chama esse poder de “necropolítica”.
Ao defender em cadeia nacional de rádio e tevê que o País funcione numa boa apesar da pandemia, o presidente manda ao corredor da morte idosos e pessoas com doenças preexistentes, grupos mais vulneráveis ao vírus, e os pobres que moram amontoados em favelas e podem contagiar mais facilmente parentes e vizinhos. Necropolítica contra 20 milhões de pessoas acima de 65 anos e 13 milhões de moradores de favelas.
Na saída do Palácio do Alvorada no dia seguinte ao pronunciamento, Bolsonaro deu elementos para corroborar uma outra hipótese diagnóstica, esta de autoria de um profissional que já viveu o dia a dia do Conselho Federal de Psicologia. O presidente seria um “sociopata”, segundo esse analista, cujo nome será preservado.
“Você quer que eu faça o quê? Que eu tenha o poder de pegar cada idoso lá e levar: ‘fica aí, tem uma pessoa para te tratar’? É a família que tem de cuidar dele em primeiro lugar, rapaz. O povo tem que deixar de deixar tudo nas costas do poder público”, disse Bolsonaro, ao responder sobre o perigo que o fim da quarentena representaria a idosos enquanto o coronavírus estiver à solta. “Se não tiver ninguém, aí tem um asilo, tem o Estado, seja quem for.”
O ex-capitão, comenta o psicólogo, expressa insensibilidade em relação a outras pessoas, busca sempre o conflito, é extremamente egocêntrico e nunca demonstra sentir culpa, arrependimento ou remorso. Sintomas de Transtorno de Personalidade Antissocial, ou sociopatia, alguns bem caracterizados na entrevista na porta do Alvorada em 25 de março.
“Boa parte das suas justificativas quando questionado apresenta uma alta insensibilidade em relação ao outro, uma quase total ausência de preocupação pelos sentimentos ou problemas dos outros, como faz sempre em relação às questões de gênero, orientação sexual, condição econômica e também como fez ontem no caso da gravidade do coronavírus para os idosos”, diz nosso analista.
Ele traça sua hipótese diagnóstica com base no comportamento público do presidente e em contatos pessoais tidos no passado com o então deputado Jair Bolsonaro. E explica: sua análise tem como fonte técnica o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), da Associação Americana Psiquiátrica, largamente utilizado no mundo pela psiquiatria e a psicologia clínica.
O presidente “age sem demonstrar culpa e/ou remorso quanto aos efeitos negativos ou prejudiciais deste seu comportamento sobre as outras pessoas, posto que ele agride e aparentemente gosta dos resultados (a psicanálise lacaniana chamaria de gozo), demonstrando toda a sua agressividade e sadismo”, observa o analista.
Desde o início do coronavírus, Bolsonaro encara o a pandemia como “histeria” e “gripezinha”. Até 27 de março, ao menos 77 brasileiros tinham morrido e mais de 3 mil estavam infectados. Até ali, o ex-capitão tinha sido incapaz de mostrar-se solidário com as vítimas. “A população está assustada, e o presidente não diz uma palavra para tranquilizá-la”, afirmou a líder do PCdoB na Câmara, Perpétua Almeida (AC).
De falar bem de si no meio da crise, foi capaz, em um entrevista coletiva em 18 de março. “Nosso time está ganhado de goleada. Duvido que quem vier me suceder um dia (acho muito difícil) consiga montar um equipe como eu montei. E tive a coragem de não aceitar pressões de quem quer que seja. Então, se o time está ganhando, vamos fazer justiça, vamos elogiar seu técnico, e o seu técnico chama-se Jair Bolsonaro.”
“O presidente apresenta uma característica bem forte de egocentrismo, buscando a todo momento passar a imagem e a crença de ser melhor do que as outras pessoas, justificando a todo instante ter este direito por ser grandioso, por merecer ser admirado, e dessa forma busca incessantemente atrair e tornar-se o centro das atenções. Note: não é um projeto, é ele”, explica o psicólogo.
Ele prossegue: Bolsonaro “faz uso, e neste caso se é consciente ou não fica difícil de saber, pois não temos acesso direto a ele, frequente de subterfúgios para influenciar ou controlar os outros, e sempre busca as insinuações para atingir seus fins. Também não apresenta, pelo menos de modo aparente, arrependimento por agir com base em representações deturpadas de si mesmo, como por exemplo fazer o papel de alguém que pratica esporte, que valoriza ser atleta fazendo flexões de braço que estão longe de ser uma forma correta de se fazer, inventando relatos de acontecimentos e fatos se estes venham lhe trazer algum benefício”.
No pronunciamento à nação em 24 de março sobre o coronavírus, o presidente tinha dito: “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado com o vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha”.
O tipo de transtorno de personalidade antissocial do ex-capitão, ressalta nosso psicólogo, “não pode ser tratado como loucura, como um distanciamento da realidade, como aqueles que vivem em um mundo à parte. Não é este o caso dele”. Bolsonaro, conclui ele, pertence “ao grupo das perversões”.
ANDRÉ BARROCAL é réporter da Carta Capital
Fonte: publicado em Carta Capital