Editorial de 07 de fevereiro de 2019
No início da semana, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentou a governadores dos estados brasileiros um “projeto de lei anticrime”, que propõe profundas mudanças na legislação penal e processual penal. Na tarde desta quarta-feira (6), o ministro apresentou o projeto aos deputados federais da Frente Parlamentar de Segurança Pública, e em breve o governo federal deve apresentar o texto ao Congresso Federal.
A proposta, que segundo o governo visa reduzir a criminalidade – seja ela comum ou de colarinho branco -, na verdade esconde ataques aos direitos e garantias individuais, e foi recebida com indignação por diversos especialistas em segurança pública e movimentos sociais.
Entre as mudanças mais substanciais estão: (A) a oficialização da possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância para os crimes comuns; prisão após a condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente da interposição de recursos. (B) redução de pena ou não aplicação dela nos casos em que o excesso doloso decorrer de “escusável medo”, “surpresa” ou “violenta emoção”. (C) ampliação da legítima defesa para agentes policiais. (D) aumento do tempo de cumprimento de penas no regime fechado. (E) proibição de “saidinhas” para os presos provisórios ou condenados pelo crime de terrorismo. (F) mudanças no conceito de organização criminosa e impossibilidade de progressão de regime para seus membros, que deverão cumprir a pena em estabelecimentos de segurança máxima; possibilidade de aplicação de pena máxima (30 anos) se do crime de resistência resultar morte do agente policial. (G) introdução do “plea bargaing”, instrumento norte-americano de solução negociada baseada na confissão para aplicação de penas menores (diferente do sistema de presunção de inocência com o qual opera o ordenamento jurídico brasileiro). (H) impossibilidade de aplicação da liberdade provisória para “criminosos habituais”. (I) submissão dos condenados por todos os crimes dolosos à identificação do perfil genético, e não mais apenas para aqueles que cometeram crimes violentos. (J) introdução da figura do “informante do bem”; entre outras.
Desse modo, ainda no seu segundo mês, o governo Bolsonaro busca oficializar seu projeto para a segurança pública. Ao excluir a possibilidade de punição dos policiais que praticarem homicídios, mas aumentar ao máximo constitucionalmente permitido o tempo de prisão para pessoas que assassinarem agentes de segurança pública, legaliza o genocídio da população negra do país e reforça a ideia de que “bandido bom é bandido morto”. Por outro lado, ao flexibilizar o conceito de organização criminosa, endurecer o regime de cumprimento de pena para os condenados pelo crime de terrorismo e prever a submissão de todos os condenados à identificação do perfil genético para formação de um banco de dados, legitima a perseguição aos ativistas e movimentos sociais.
Além disso, as mudanças propostas em nada visam diminuir a população carcerária do país, que já atingiu a marca de 700.000 presos e é a terceira maior do mundo, mas abre espaço para a definitiva privatização das penitenciárias brasileiras. Com a instituição automática do regime inicial fechado do cumprimento de pena para alguns crimes e a prisão após a condenação em segunda instância ou até mesmo em primeira, no caso do Tribunal do Júri, tende a aumentar substancialmente o número de pessoas encarceradas.
Do mesmo modo, há tentativa de diminuir o número de presos provisórios no país (que quase atinge a marca dos 40%) com a instituição do “plea bargaing”, ferindo diretamente o princípio da presunção de inocência sem melhorar a efetividade do Judiciário. O melhor exemplo para demonstrar a ineficiência desse regime é o próprio Estados Unidos, que apesar de aplicar o instituto há anos, conta com a maior população carcerária do mundo.
De fato, precisamos de uma eficaz política de segurança pública que ajude a reduzir os números da violência que atinge cotidianamente a maioria da população, especialmente os mais oprimidos – negros, mulheres, jovens e trabalhadores mais pobres. O projeto de Moro, porém, vai no sentido contrário: ao invés de adotar uma plano de combate à criminalidade cujo eixo seja a preservação da vida, o ex-chefe da Lava Jato escolhe o caminho do reforço da estrutura punitivista e repressora, cujo resultado será certamente o aumento da violência contra os mais pobres e oprimidos.
Em síntese, o “projeto anticrime” de Sérgio Moro, mascarado por um grande populismo penal, esconde mudanças profundas no sistema de garantias individuais e nos direitos fundamentais, reforçando a política bolsonarista de recrudescimento do sistema penal especialmente para os negros e negras, para a classe trabalhadora brasileira e para os movimentos sociais.
A resistência democrática e social precisará enfrentar, sem vacilação, o projeto dirigido por Sérgio Moro, sob pena de assistirmos novo salto na escalada repressiva e autoritária no país.
Assista ao vídeo em que Eleonora Nacif, da Edição do Carta Capital, critica pacote anticrime de Moro
Fonte: Esquerda Diário e Carta Capital