Sucesso de bilheteria nos anos 1970, o gênero de cinema brasileiro utilizava o erotismo para tratar questões políticas e sociais da época
Censura às ideologias contrárias ao Estado; organização de crime para calar políticos com interesses diferentes aos da maioria presente nas corporações políticas; Exército nas ruas cariocas. Há cinquenta anos, o ano de 1968, conhecido como o ano que não terminou, dava início a um recrudescimento político ainda maior na ditadura militar, permeando não somente a política, mas também a arte, em especial o cinema. Um gênero, porém, conseguiu driblar a censura da época: a Pornochanchada, que arrecadou milhões nas bilheterias de todo o Brasil utilizando o entretenimento para levar ao público críticas ao conservadorismo político e social imposto na época.
Há uma coisa que eu gostaria muito que as pessoas entendessem: sempre há traços da história nos produtos culturais (Fernanda Pessoa)
A crítica ao sistema, porém, muitas vezes é desassociada ao gênero, visto somente como diversão, e alienação – pela esquerda – e desmoralizante – pela direita. Mas com filmes de baixo custo, porém, de alto rendimento econômico, a pornochanchada atraía milhões de pessoas para as salas de cinema, com a proposta de tratar, indiretamente, temas colocados em questão na época. O longa E Agora, José? – A Tortura do Sexo, de 1979 e produzido por Ody Fraga, aborda a perseguição aos militantes e exibe uma cena de tortura. “Cerca de 10% destes filmes são políticos, havia intelectuais que tentavam introduzir conteúdos escondidos”, destaca a cineasta Fernanda Pessoa em entrevista ao veículo Gazeta do Povo.
As Pornochanchadas, no entanto, não abordavam somente o conservadorismo político imposto pela ditadura militar brasileira. A tradição social também era colocada em discussão nos filmes. A produção dirigida por Waldir Onofre em 1975, Aventuras Amorosas de um Padeiro, explorava temas como divórcio e aborto, altamente condenados pela direita conservadora da época. Além disso, os longas também levavam de maneira discreta para as salas de cinema cenas de racismo, homofobia e objetificação e submissão da mulher – costumes que construíam a realidade brasileira da época, mas que, devido à censura, não eram exibidos diretamente.
“Por meio das comédias eróticas que escapavam da censura, as cruéis relações empresariais, a misoginia forçada, o racismo e a violência política passavam pelo filtro como um humor obsceno”, declararam os organizadores da edição de 2017 do festival Cinelatino, que acontece anualmente na cidade de Toulose, na França.
O convite à reflexão exercido pelas pornochanchadas também foi comentado pela crítica de cinema Sheila Schvarzman. “É possível ter uma perspectiva sobre essa produção. Esse conjunto não é mero entretenimento, como os críticos da época alegavam, mas que ele falava sobre o seu tempo histórico. E isso é muito importante, precisamos abrir mais os nossos arquivos”, disse, em entrevista concedida ao Memórias Reveladas, do Ministério da Justiça.
Schvarzman ainda destaca a função das pornochanchadas como produções importantes para se entender a história de uma época no Brasil. “Esse novo olhar sobre a pornochanchada é muito importante porque nos faz refletir sobre as leituras que fazemos dos filmes atuais, ou seja, do nosso próprio tempo histórico. A verdade é que ainda há um enorme preconceito com o cinema popular, sempre associado à alienação”, completa.
A cineasta brasileira Fernanda Pessoa complementa o pensamento de Schvarzman e aproveita para fazer um apelo ao público. “Há uma coisa que eu gostaria muito que as pessoas entendessem: sempre há traços da história nos produtos culturais”, clama Pessoa também entrevista ao veículo Gazeta do Povo sobre sua produção Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava – filme lançado no ano passado, que reúne trechos de 30 pornochanchadas com objetivo de repensar a história do Brasil.
Magnífica 70′
São Paulo, 1973. Vicente (Marcos Winter) é um homem entediado que trabalha como censor do governo, graças a uma indicação de seu sogro, o influente general Souto (Paulo César Pereio). Um dia, ao assistir em sessão privada a pornochanchada “A Devassa da Estudante”, ele fica abalado pelas semelhanças entre a protagonista Dora Dumar (Simone Spoladore) e sua falecida cunhada, Ângela (Bella Camero), e com isso veta o longa-metragem. Dias depois, a própria Dora e o produtor Manolo (Adriano Garib) vão ao departamento de censura, em uma tentativa desesperada de liberar o filme. Disposto a se aproximar de Dora, Vicente oferece ajuda a Manolo para que o filme possa ser exibido. É o início da trajetória do censor em plena Boca do Lixo, onde ele cada vez mais se apaixona por fazer cinema.
A história se passa na década de 70, no bairro da Luz, em São Paulo, onde se concentrava a produção de cinema da época. O plano de fundo para a série é a ditadura militar. Não existem muitas produções populares que relembram as dificuldades pelas quais passaram muitos dos brasileiros que viveram esse período, e Magnífica 70 consegue dar uma ideia dos problemas enfrentados por eles, com uma atmosfera de medo e limitações. É um bom jeito de relembrar a história do nosso país.
Fonte: com informações de Marina Magalhães/Agência Uva.net e Adoro Cinema