por Mino Carta
Ocorre que no Brasil viceja a religião da bola e o País continua de chuteiras
Nada mais brasileiro do que a torcida do Flamengo: de improviso torna-se a “galera” de um país inteiro. Pergunto aos meus extenuados botões se no próximo sábado 21 os televisores, as rádios, os apetrechos infernais que transmitem jogos de futebol, na Inglaterra, de York, Sheffield, Leicester até as mais remotas vilas da Cornualha, estarão sintonizados com a partida do Catar. Há de se admitir que até em Liverpool muitos torcedores estarão interessados na contenda mais ou menos como eu passo meu tempo voltado para o estudo da numismática. O próprio treinador alemão do time inglês exibiu seu desconforto em relação a esta discutível disputa de uma primazia mundial. Disse ele que teria preferido enfrentar os compromissos previstos pelo calendário do campeonato inglês do que viajar por sete horas e meia para Doha para disputar um galardão que neste momento palpita nos sonhos verde-amarelos, antes ainda do que naqueles rubro-negros.
Ocorre que no Brasil viceja a religião da bola e o País continua de chuteiras. Fomos bombardeados longos, exaustivos dias pela fala dos nossos locutores e comentaristas a respeito do taumaturgo Jorge Jesus e dos seus comandados. Somente nestas ocasiões avulta a fé brasileira, o patriotismo das bandeiras e do hino em uma terra que muito pouco produziu fora dos gramados. Recordo ter havido um tempo em que eu admitia a forte possibilidade de a Rota carregar Ronaldo, o Fenômeno, ao surpreendê-lo à meia-noite em alguma esquina suspeita. Jogadores pretos e mestiços aplaudidos freneticamente das arquibancadas, ao desvestirem a camiseta canarinho sempre correm risco de serem alcançados pelo ódio de classe dos bairros altos. Não há outra forma de afirmação para a fluvial torcida meramente futebolística.
Surgem no vídeo os fiéis da religião nativa e um arrepio me percorre a coluna ao constatar que este povo espezinhado só vai às ruas para torcer. Haveria de ter outras razões para tanto, mas elas se perdem diante da prepotência da casa-grande, da ignorância geral, da insensatez galopante. Diga-se que a atuação do Flamengo contra o Al-Hilal não foi muito melhor do que aquela versus o River. Jogos mais complicados do que previa o desbragado otimismo rubro-negro. A rigor, esta teria de ser a sentença da crônica especializada e dos fiéis irredutíveis do nosso futebol, outrora já praticado com maior esmero.
Este final de um ano cada vez mais difícil e desolador induz a pensamentos sombrios. Razões tão inúmeras quanto assustadoras. Que dizer da descoberta pelo presidente da Suprema Corte, Antonio Dias Toffoli, sentinela de uma lei enxovalhada desde 2013, do mal irreparável causado pela Lava Jato à indústria brasileira? O comandante do Supremo nunca deixa de nos surpreender.
Preocupante a presença dentro do PT de um largo reduto dos defensores de uma negociação destinada a compor diferenças para celebrar a paz nacional. Temo que por aí os petistas estejam a ensaiar o papel de eleitores de Bolsonaro na próxima tertúlia eleitoral.