A deputada comunista participou do Fórum Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) de Pensamento Crítico e falou sobre o papel das mulheres no Brasil mais duro, pobre e violento do futuro. O dever da esperança e as ferramentas para a resistência
As forças progressistas no Brasil enfrentam o desafio de unir, em conjunto com os segmentos democráticos e o povo, a defesa da democracia. Esta é uma das reflexões feitas pela deputada Manuela d’Avila (PCdoB), ao jornal argentino PáginaI12. Manuela esteve em Buenos Aires para participar do Primeiro Fórum de Pensamento Crítico organizado pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) e fez uma conferência no Centro Cultural de Cooperação. Nas duas ocasiões a deputada comunista deixou a marca da esperança: “A primavera sempre supera o inverno”.
Na opinião de Manuela d’Ávila, o pacto democrático no Brasil foi rompido desde o golpe de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff e levou Michel Temer a exercer ilegitimamente a presidência da República. A seguir vieram uma reforma trabalhista que golpeou profundamente os trabalhadores, a prisão ilegal e abusiva de Luiz Inacio Lula da Silva e a intervenção militar no Rio de Janeiro, o que não impediu o assassinato do vereadora Marielle Franco. O golpe se consolidou com a eleição do candidato da extrema direita Jair Bolsonaro.
Nos próximos anos a resistência será as mulheres deverão ter um papel central, segundo Manuela. Ela considera que os efeitos das políticas neoliberais atingirão mais as mulheres do que os homens. São elas que terão que assumir parcialmente o vácuo deixado pelo Estado na educação e na saúde. “Porque se dizem que o estado tem que ser menor, alguém assumirá o papel do estado e esse alguém não é um homem numa sociedade machista e sim as mulheres. Então, se você ficar com menos dinheiro para a educação, se você não tem bolsas de estudo para as crianças, se você tem um presidente como temos que diz que vai eliminar a educação em sala de aula e vai colocar a educação a distância, quem o fará ficar com crianças? as mulheres “, enfatiza. Essa crise, que muitos brasileiros pensam ser de responsabilidade do PT e da esquerda, é a crise de um capitalismo repleto de concepções machistas que não afetam igualmente homens e mulheres, acredita. “Esse momento das mulheres em luta começa em 2008, porque esse é o ano em que a crise econômica começa no mundo”. Para Manuela: “é inimaginável, no caso brasileiro, se pensar que é possível mudar o país sem enfrentar a desigualdade e a desigualdade tem cor e gênero. Os mais pobres do Brasil são negros e especialmente mulheres. Então, como você acha que a esquerda não estará junto àqueles que estão lutando? E os quem está lutando agora são as mulheres!
Manuela acho correto afirmar que a grande mídia tem responsabilidade pela situação em que se encontra o Brasil. “A mídia sempre se dedicou a desacreditar a política e a afirmar que o neoliberalismo é o único caminho para sair da crise. Mas devemos ter em mente que nessas eleições as redes sociais e a internet ocuparam um espaço que antes era exclusivo lugar da mídia tradicional e temos que refletir sobre isso”. Ela lembra que Bolsonaro não foi praticamente a nenhum debate. “Corremos o risco de pensar que a internet é apenas uma nova plataforma, mas não é só isso. A TV é apenas isso, é o espaço onde as pessoas oferecem uma versão da história, internet não. A internet é um espaço de organização e presença de pessoas: as pessoas estão lá como em uma assembléia popular permanente”, alerta a deputada do PCdoB.
A parlamentar afirma que o Brasil viverá um período difícil. “Serão anos muito mais cruéis e com muito mais privatizações do que no período de Fernando Henrique Cardoso. Bolsonaro fará coisas que nunca vimos.”, enfatizou.
Manuela avalia que o principal erro da esquerda nas eleições foi não conseguir “estabelecer diálogos com as pessoas sobre os motivos da crise econômica ou, por exemplo, a necessidade de identificar práticas sexistas e racistas para transformá-las”. Para ela, as forças progressistas acharam que as pessoas não acreditariam nas fake news e elas acreditaram.
A deputada considera que a ida de Sergio Moro para o Ministério da Justiça é compreensível dentro do que significaram as eleições, mas classifica como “cinismo explícito” a indicação do juiz. Sobre a indicação de um militar para o Ministério da Defesa não chega a ser uma ameaça à democracia. “Creio que as ameaças à democracia hoje são mais complexas de imaginar, e é aí que penso no golpe judicial que tivemos sem a necessidade de usar forças militares. Por exemplo, acho que Bolsonaro pode ter mais coisas autoritárias e ao mesmo tempo manter a normalidade com os militares. Eu também acredito que os militares terão grandes contradições com o novo presidente em relação a questões nacionais, por exemplo, com a fronteira venezuelana – porque os militares sabem o que um confronto envolve lá – ou quando as privatizações são realizadas”, afirmou.
Sobre o fórum Clacso, Manuela afirma que fica “a esperança de ver espaços como esse servindo para refletir e mais que isso, porque, como disse Marx, refletir é mudar a realidade.
Fonte: entrevista a Sofia Solari, do Pagina12/ Vermelho.org