Na próxima quinta-feira (11), será julgado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte, o pedido de despejo que visa expulsar das terras da antiga usina Ariadnópolis as 450 famílias produtoras do café Guaií.
O acampamento foi ameaçado logo após as eleições presidenciais de 2018, com um pedido de urgência do despejo acatado pelo juiz Walter Zwicker Esbaile Júnior, que gerou grande comoção nacional e internacional e acabou sendo suspenso. Agora uma comissão de desembargadores apresentará a decisão que definirá a permanência ou não das famílias na terra.
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“Despejar as famílias do acampamento Quilombo Campo Grande significa destruir cerca de 2 milhões de pés de cafés plantados. Expulsar mais de 2 mil pessoas de suas casas. Demolir 418 casas de alvenaria, onde essas pessoas residem. Acabar com 70 micro agroindústrias, onde a produção é beneficiada. Derrubar mais de 100 mil árvores plantadas pelos sem terra”, afirmou o engenheiro George Armando da Silva, um dos responsáveis pelo laudo socioeconômico elaborado no final do ano passado.
Estes números são resultado de mais de 20 anos de trabalho das famílias que residem no local, ocupado desde março de 1998.
Segundo dados do Ministério Público de Minas Gerais, a empresa Cápia, que alega a propriedade da área, teve sua falência decretada judicialmente, ou seja, a empresa sequer existe juridicamente, por isso jamais poderia entrar com pedido de urgência de um despejo. Como argumento, a empresa disse que “a produção se prova apenas de uma forma: dinheiro (folow de – sic – money)”. Tuíra Rodrigues, da direção regional do MST, contesta. “A empresa, falida, passou anos devendo os trabalhadores da antiga usina, e ainda deve. Eles é que não produzem nada além de dívidas há muitos anos, nós continuamos produzindo. Em resposta às ameaças do ano passado aumentamos nossa produção em mais de 300 mil pés de café nos últimos meses”.
A Cápia também alegou que possuía um investidor disposto a garantir a produtividade das terras. O fazendeiro João Faria, que já foi um dos maiores produtores de café do Brasil e suposto avalista dos proprietários, declarou falência em abril deste ano. “Como é que um falido quer recuperar outro? Estamos falando de uma associação de pessoas corruptas que atuam para extorquir o estado”, se indigna a dirigente do MST.
Em documento, o Ministério Público reitera que as famílias detém a posse da terra “imprimindo função social qualificada ao imóvel, seja como moradia, produção e acesso a alimentação, além de impulsionar a economia local, como restou provado pelas dezenas de manifestações de munícipes de Campo do Meio”.
No último domingo (30), as famílias do acampamento Quilombo Campo Grande realizaram uma grande assembleia de preparação para o julgamento do despejo. “Se você morasse num local, com seu trabalho, sua casa e toda uma vida construída há anos, iria aceitar sair de qualquer jeito?”, pergunta a sem terra Luciana Silva. “Não vou deixar meus pés de café de jeito nenhum. Eu acredito muito na justiça verdadeira, esse juiz vai ter que olhar pra nós aqui ou o trem vai ficar muito feio”. As famílias reafirmaram sua disposição de permanecer na terra.
Entenda a história
As terras da antiga Usina Ariadnópolis eram administradas pela empresa Cápia, que entrou em falência em 1994. Nos anos seguintes os proprietários desmontaram a usina e retiraram todos os bens de valor o parque industrial, deixando a estrutura totalmente sucateada. Os trabalhadores ficaram desempregados e não receberam seus direitos. Segundo o Sindicato dos Empregados Rurais de Campo do Meio, aproximadamente 400 ex-trabalhadores da usina Ariadnópolis processam a empresa na Justiça.
Eles não receberam a rescisão e descobriram que o FGTS e o INSS também não foram recolhidos. As dívidas chegam a R$ 300 mil em alguns casos. Foi então, em 1998, com a usina já improdutiva, que uma parte dessas famílias ocupou a primeira área dentro do perímetro de Ariadnópolis, às margens da represa de Furnas. Em 1998, 2005, 2007 e 2009 os Sem Terra passaram pelas mais violentas expulsões de acampamentos instalados dentro do terreno da usina. Mas voltaram e, a cada vez que o Estado e o fazendeiro agiam, mais o movimento se fortalecia e retornava.
Hoje são 10 acampamentos (Fome Zero, Resistência, Betinho, Girassol, Rosa Luxemburgo, Tiradentes, Sidney Dias, Irmã Doroty 1, 2 e 3) dentro do perímetro da antiga Cápia. O nome Quilombo Campo Grande relembra a luta do povo negro contra a escravidão, que no passado também se organizou em diversos quilombos de resistência do Sul de Minas até São Paulo.
Os acampados tiram leite, criam gado, produzem milho, hortaliças, frutíferas diversas, além do café orgânico que deu origem à cooperativa Camponesa e à marca Guaií. Toda essa produção passou a movimentar a economia e o comercio da pequena cidade de Campo do Meio.
Antes de residirem nos assentamentos, as famílias desenvolviam atividades rurais como empregados assalariados nas fazendas da região, como diaristas, por produção e alguns cultivavam lavoura como meeiros (trabalhavam e recebiam a metade da produção) e hoje, todas as famílias da cooperativa apresentam como laço de origem a luta pela reforma agrária na região sul do Estado de Minas Gerais, organizadas através do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Fonte: MST