por Gilberto Maringoni
As ruas de São Paulo, Rio, Porto Alegre, Curitiba e outras capitais deram o tom neste domingo (31). Diante da aceleração do contágio da covid-19 e da radicalização de um governo que perde legitimidade, manifestações democráticas enfrentaram hordas fascistas. Pelo menos em São Paulo e no Rio, estas contaram com apoio das polícias militares comandadas por João Dória e Wilson Witzel.
Os dois governadores estão na mira dos milicianos do poder, juntamente com o STF, a Rede Globo e a grande mídia. Nenhum deles veio a público explicar o fato de suas forças de segurança terem protegido as maltas bolsonaristas e – no caso de São Paulo – decidido disparar bombas e balas de borracha contra democratas. Ambos correm o risco de serem engolidos pela própria ambiguidade esperta.
Em Brasília vimos o fenômeno de um quadrúpede montar um cavalo, depois de uma versão tabajara da Ku Klux Klan ter cercado o STF.
A DERRUBADA DE BOLSONARO só ocorrerá com uma amplíssima frente ou bloco democrático que junte setores do centro e da a esquerda a forças da direita que se descolam do aprendiz de Mussolini. Foi assim na queda da ditadura, foi assim na derrubada de Collor de Mello. Não adianta buscar reinventar a roda: a convergência tem apenas um objetivo, que é o de afastar o celerado. Golpear juntos e marchar separados.
Não se pode repetir o que o PT fez em duas ocasiões, em 2003 e em 2015. Atingido o objetivo de eleger um novo governo, entrega-se o projeto político e econômico para os inimigos, buscando topicamente atender demandas seculares dos de baixo. Nas duas oportunidades, a vitória eleitoral apontava em uma direção e a vitória política materializou os anseios do financismo.
O JORNAL O GLOBO deste domingo (31) vocalizou o que pensa a parcela majoritária das classes dominantes sobre a composição de uma frente ampla:
“Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também para ele e seu governo”.
Não se sabe se estamos diante de paranóia ou mistificação, como diria Monteiro Lobato. Ou de interesses que não se escrevem em letra de forma. A Globo e as frações de classe que representa topam um boçal domesticado, desde que mantida a política de Paulo Guedes na economia. Este aliás é o motivo pelo qual a cirúrgica edição da reunião ministerial de 22 de abril veiculada pelo Jornal Nacional excluiu as escandalosas intervenções do larápio do mercado.
A FRENTE AMPLA MONTADA EM 1984, na campanha das Diretas Já teve sua prova de fogo na Constituinte, em 1987-88. Ali diferentes forças que estiveram juntas nas ruas se diferenciaram quando da definição de rumos para o país. As conquistas democráticas da Carta – que ensejaram as emendas populares, com mais de um milhão de assinaturas cada uma – só se tornaram possíveis graças ao impulso participativo construído na jornada anterior que durou exatos cinco meses – do primeiro comício das Diretas em 27 de novembro de 1983 à votação, em 25 de abril do ano seguinte. Finda a campanha, cada um tocou suas demandas.
Se a experiência histórica serve para alguma coisa, vale dizer que estamos no equivalente ao período pré-Diretas, quatro décadas depois. As manifestações de rua são ainda muito pequenas, mas a intenção comum amadurece. A ditadura não caiu apenas pela força da oposição à época. Isso aconteceu quando a última parte importante da burguesia se afastou do regime, cuja representação institucional era a maioria da Arena, o partido da ditadura. Foi quando José Sarney e apoiadores de longa data deixaram a linha dura falando sozinha, viabilizando a candidatura indireta de Tancredo Neves.
O ENFRENTAMENTO PRINCIPAL AGORA é contra a pandemia e Bolsonaro. O embate sobre caminhos futuros é iniciativa secundária, que a direita já começou a fazer. Quem assistiu ao seminário “Retorno da atividade econômica após o período de isolamento social”, que reuniu Rodrigo Maia, os ex-presidentes do BC Armínio Fraga e Ilan Goldfajn, a economista-chefe do Banco Santander, Ana Paula Vescovi, e o diretor da Casa das Garças, Edmar Bacha na Câmara dos Deputados semana passada sabe do que se trata. As esquerdas – nós – não realizaram nada equivalente até agora.
Organizar a luta contra as pragas brasileiras é tarefa urgente. Nas ruas e nas redes, rumo a uma frente amplíssima. Mas sem ilusões e com preparação séria para a segunda etapa do jogo.
Fonte: Portal Disparada