A medida que libera os saques do PIS-Pases e FGTS pode significar, ainda que no marco de uma profunda crise econômica com importantes complicadores internacionais, um ligeiro crescimento do PIB brasileiro no governo Bolsonaro que tentará ser usada para um aprofundamento e dos planos de descarregada da crise sobre as costas dos trabalhadores e da juventude.
Para um trabalhador comum que destina todo o seu pequeno salário ao aluguel, às contas e às despesas de uma vida simples, o anúncio sobre a liberação do saque do PIS-Pasep e do FGTS pode significar um alívio. “É uma real possibilidade de resgatar o poder de compra e fazer crescer a economia do país”, anunciam em coro os grandes jornais após o governo ter declarado a possibilidade da medida, cuja anunciação mais detalhada está prevista para o dia 24. Apesar dos desencontros e atropelos do acordo sobre o cálculo dos valores entre Bolsonaro, Ministro da Economia e da Casa Civil e, de acordo com estimativas otimistas, a medida terá impulso de 0,2 a 0,4% de acréscimo ao PIB.
O governo ainda discute, especialmente com setores da construção civil, qual será a proposta apresentada na semana que vem, mas já aponta que a liberação, que será de 10 a 35% dos valores, abarca também as contas ativas da população, e a medida, ainda que impeça o saque dos valores integrais, pode parecer cair como uma luva para tantos brasileiros que se encontram desesperados no vermelho.
Por outro lado, junto dessa liberação de recursos do FGTS o governo estuda alterar as regras para acesso ao valor integral do FGTS e a redução da atual multa de 40% do fundo por demissão, com isso Bolsonaro embute na discussão do FGTS uma “micro-reforma” trabalhista. A gestão de um elevado nível de desemprego e piores condições a quem fica desempregado é uma política de Governo. Com essas medidas visa “facilitar a vida sofrida dos empresários”, facilitando demissões e diminuindo a poupança que o trabalhador tem ao ser demitido. A resultante será maior rotatividade no trabalho e imposição de que os trabalhadores terão que se submeter a trabalhos mais precários e pior remunerados. Esse efeito da propostas de Bolsonaro só seria sentido no médio prazo, e no curto tentaria gozar do alívio no bolso daqueles que sacarem parte de seu FGTS.
É previsível que o governo, somente alguns dias após o início da aprovação da reforma da previdência – reforma que diminuirá valores de aposentadorias e impedirá enorme parcela da população de se aposentar -, lançaria alguma medida de grande aceitação popular na tentativa de resgatar uma parcela da confiança de seu eleitorado mais pobre, e que, em pouco tempo, pode significar o crescimento – mesmo que ligeiro – dos índices econômicos e dos percentuais de crescimento do PIB. E, uma vez assegurado o consenso entre governo, Maia e deputados quanto ao ritmo e à brutalidade da reforma, e uma vez fortemente sinalizado que ela tem caminho livre para tramitação e aprovação sem grandes obstáculos no Congresso, Bolsonaro, Paulo Guedes e a nata ultraliberal esfregam as mãos de excitação diante de novos planos que vão descarregar ainda mais a crise nas costas dos trabalhadores, como é o caso do pacote de privatizações de Paulo Guedes, maior operação privatista de toda a história do Brasil, ou também o caso da MP 881/2019, que entre outros escandalosos ataques vai obrigar os trabalhadores a entregar seus domingos e feriados à patronal e acabar com a obrigatoriedade das CIPAs em milhões de postos de trabalho, caracterizando a medida como uma versão 2 da reforma trabalhista de Temer.
Na primeira pesquisa do ano, em janeiro, a previsão era de 2,6% de alta do PIB para o ano. Em junho, a previsão foi registrada abaixo do 1%, atualmente está em 0,81%. Nesse cenário, a economia é o grande entrave para o governo, que vinha apresentando queda da taxa de popularidade e crescente desconfiança do empresariado. Com a circulação de bilhões de reais de consumidores e aumento da produção, a possibilidade de crescimento a curto prazo do PIB se abrirá com essa medida de liberação dos saques e servirá como a possibilidade de criação de uma base de sustentação (ou ao menos de estabilidade e aceitação) que dê força ao governo, especialmente a Bolsonaro e Paulo Guedes, que terão espaço para avançar em medidas ainda mais duras contra os trabalhadores e a juventude.
O que se coloca em perspectiva conjuntural neste momento é uma recuperação da confiança de Bolsonaro no empresariado e no mercado financeiro, fazendo as pazes com uma parcela da burguesia neoliberal ao retirar do controle do Estado esses valores. O que está em jogo é um passageiro e leve respiro da economia, uma tentativa de utilizar esse instrumento para conseguir maior passividade e aceitação na massa, mas que não necessariamente virará uma retomada de popularidade e graças ao respiro uma retomada de relações neoliberais que darão sustentação aos planos ainda mais violentos. Bolsonaro está buscando equilibrar um incentivo ao consumo com não desagradar a construção civil e embutindo condições de uma micro-reforma trabalhista dentro do anuncio. Com isso pretende sair bem na foto com as massas ao passo que agrada profundamente o conjunto do empresariado.
Um respiro econômico que chegue unicamente por esta medida até os 0,4% de crescimento, ou mesmo um panorama entusiasta que com outros fatores somados preveja o crescimento de 1,1% como o do ano passado durante o governo Temer, dificilmente se sustentará no tempo ou significará um crescimento econômico real no marco de uma crise econômica internacional, pois, como aponta renomados economistas burgueses como a própria Mônica de Bolle, o país vive o que chamam de “estagnação secular”. Mesmo entre os analistas burgueses internacionais, já existe consenso em relação à enorme possibilidade de desaceleração da economia mundial que em 2020 pode aprofundar a recessão ou resultar numa crise ainda mais disruptiva.
Situada nesse panorama internacional, tornam-se mais que duvidosas as alegações de que a reforma da previdência e as demais medidas de “diminuição do Estado” ajudarão o país a sair da crise, gerando empregos, etc. Foi este mesmo discurso que utilizaram com a reforma trabalhista, a política de teto de gastos, a PEC 55 e tantas outras que não diminuiu os 25% da população desempregada ou em subempregos.
Que a crise, que completa o seu 11º aniversário, não é conjuntural ou cíclica é quase uma obviedade. Em toda a etapa neoliberal, a instabilidade foi uma constante, e as bolhas e as crises foram recorrentes. Essa necessidade de prolongar as jornadas de trabalho diárias e semanais, prolongar o tempo de vida produtivo dos trabalhadores e impor jornadas cada vez mais degradantes é uma necessidade dos capitalistas de todo o mundo para que sigam mantendo sua taxa de lucro em épocas de crise econômica.
Entretanto, os respiros econômicos de pequena vida útil no Brasil não servirão para tranquilizar os ritmos dos ataques e das medidas que colocam em risco nosso futuro. Ao contrário, servirão como base de sustentação ao discurso de que é preciso apertar mais para retomar os níveis de crescimento e, nesse sentido, servirão também como contribuição a maior estabilidade, ainda que provisória, ao governo Bolsonaro e ao regime. Ainda não é possível prever quanto isso contribui à estabilidade burguesa com as disputas entre diferentes alas do “condomínio bolsonarista”, as disputas dentro do judiciário que serão renovadas no marco da escolha de novo Procurador Geral da República e continuidade da “vaza jato”, e mesmo das diferentes alas da burguesia entre seus negócios com a China e Oriente Médio e o alinhamento de Bolsonaro com os EUA.
Fonte: Esquerda Diário