Empresas ignoram prazo de projetos para desativar barragens tipo Brumadinho

Um mês após o rompimento da barragem de Brumadinho (MG) —tragédia que completa um ano hoje—, o Brasil proibiu que empresas de mineração mantenham barragens de rejeitos erguidas com o método a montante.

Foto: G1

A desativação de todas as estruturas nesse modelo foi determinada pela ANM (Agência Nacional de Mineração) para ocorrer até 2027, mas nem todas as empresas apresentaram projetos para descaracterizar as barragens —o prazo terminou há 40 dias.

Segundo o último levantamento da ANM, o Brasil possuía, em fevereiro de 2019, 87 barragens de rejeitos construídas pelo método de construção de alteamento a montante ou método desconhecido. Segundo apurou o UOL, dessas, 61 possuem, comprovadamente, o mesmo método da barragem que rompeu em Brumadinho e devem ser desativadas.

A ANM informou que apenas “alguns empreendimentos já nos relataram sobre os projetos”. “Os que não o fizeram foram oficiados. Mas ainda não temos este balanço. A ANM fiscaliza também isso quando vai a campo”, informou a agência, sem citar números de projetos de desativação recebidos.

O método de alteamento a montante custa menos às empresas, mas apresenta maior risco de segurança porque o maciço da barragem é construído sobre rejeitos moles, em vez de uma fundação construída em rocha. O modelo de alteamento foi apontado como uma das causas para do rompimento da barragem de Brumadinho.

Forma de contrução de barragens a montante   Foto: Veja

Resolução para desativação Em 8 de agosto do último ano, a ANM baixou uma resolução proibindo a utilização do método a montante em barragens em todo o país, dando prazo até 2027 —o prazo depende do volume de rejeitos da barragem—, para que não existam mais empreendimentos desse tipo. Antes disso, até setembro, todas as empresas devem reforçar as estruturas em risco para evitar acidentes.

Ainda segundo a norma, todas as empresas tinham até 15 de dezembro de 2019 para concluir a elaboração do “projeto técnico executivo de descaracterização da estrutura” — que, na prática, significa desmontar essas estruturas.

“É um desafio, um processo amplo que nunca foi feito nessa proporção no mundo. Esse atraso em enviar projetos é preocupante”, diz Fábio Augusto Reis, professor do campus de Rio Claro da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e presidente da Febrageo (Federação Brasileira de Geólogos). Ele defende que ANM amplie sua estrutura e equipe técnica para analisar os projetos e acompanhar as obras de descaracterização.

“No nosso entendimento, deveria ter sido criada uma comissão de consultores para dar suporte na análise desses projetos. Precisamos saber: como a ANM vai analisar esses projetos? Ela está preparada em termos de estrutura e equipe? Contratou engenheiros de geotécnica e geólogos para essa tarefa?”.

Ao UOL, a ANM informou que, à época do rompimento, contava oito técnicos para fiscalizar 816 barragens de mineração. Hoje, são 13 em dedicação exclusiva, o que permitiu que 274 barragens fossem vistoriadas ao longo de 2019 —ou 51% das estruturas inseridas na Política Nacional de Segurança de Barragens.

Reis ainda explica que há toda uma complexidade em fazer o processo de descaracterização de uma barragem de mineração. “Tem de fechar a barragem, realizar obras, controlar todos os processos de erosão, escorregamentos e fazer os plantios de vegetação para devolver essa área à natureza ou novo uso. No caso de barragens, tem de descomissionar para que ela não precise mais de manutenção e monitoramento”, diz.

Foto: Veja

Ele ainda alerta que nem todos os métodos são cientificamente aceitos. “Têm técnicos na área que questionam se é possível descomissionar totalmente uma barragem sem desmontá-la, sem desconstruir o maciço da barragem da superfície do terreno. Só que temos barragens de 100, 150 metros de altura, com reservatórios gigantescos”, afirma, citando a necessidade também de inclusão de órgãos ambientais no debate.

“Os projetos vão envolver obras, que devem ter algumas análises ambientais e discussão pública. São empreendimentos enormes, alguns com mais de 100 milhões de metros cúbicos de material.”.

Complexidade e prazo curto Segundo José Marques Filho, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e vice-presidente do Comitê Brasileiro de Barragens, o processo de descomissionar barragens é extremamente complexo, o que pode demandar mais tempo para que as empresas apresentem projetos.

“Não sente nenhuma falta de vontade. O que a gente vê uma dificuldade, é um trabalho muito grande, não faz em pouco tempo. E o projeto tem de ser feito levando em conta as características e usando um método que não leve à ruptura. O prazo dado foi curto”, diz.

Um problema citado por ele é que muitas das barragens são antigas e não passam por manutenções e vistorias. “Se não tiver os parâmetros, é perigoso. É como começar a cutucar uma onça, ela te arranha. Não é uma coisa simples, e são muitas barragens”, explica.

Para ele, o que se pode mais é colocar em risco a população. “E a gente nota uma preocupação, há consternação e urgência de todos que estão envolvidos para resolver. O caminho certo é discutir exaustivamente: tem de ter seminário, trabalhos para que a gente aprenda lições. O que a gente não pode esquecer. Temos colocar tudo em normas e procedimentos e fortalecer as entidades técnicas, sem as politizar. É uma discussão técnica”, pontua.

“É preciso roteiro técnico” Para Abdel Hach, geólogo e geotécnico, é possível fazer todo processo se houve profissionais e atendimento a normas.

“Tendo profissional adequado, com atribuições certas, competência técnica, não há nada complicado na engenharia. Mas toda obra de engenharia precisa seguir roteiro técnico: investigação geológica/geotécnica, projetos, planejamento, execução, monitoramento e manutenção”, afirma.

Ele afirma que o Brasil não está atrasado em tecnologia de barragens. “Como especialista na área posso garantir que o Brasil é e sempre foi referência mundial no que tange tema barragens. Nossos profissionais sempre atuaram ou como projetistas ou consultores internacionais na área. Os acidentes que aconteceram se devem a erro ou soma de erros humanos. A tecnologia existe para monitorar e evitar que aconteça tragédia”, explica.

Fiscalizações da ANM Sobre as fiscalizações, a ANM informou que 1.116 autos de infração foram lavrados em 2019. “A infração mais recorrente foi a de não atualização do Extrato de Inspeção Regular em 30 dias, seguida pela de não acionamento do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração em nível de Emergência 1”, informou o órgão.

Ainda em 2019, a ANM fez 55 interdições de barragens. O problema mais comum foi o não envio da Declaração de Condição de Estabilidade. Atualmente, 41 barragens estão interditadas, sendo 22 em Minas Gerais.

Fonte: UOL

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