Em entrevista a CartaCapital, parlamentar fala sobre mensagens recebidas pela internet e o orgulho de ser LGBT
Em três meses de mandato, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ) recorreu à Polícia Federal para relatar ameaças de morte. Depois de ocupar a vaga do ex-parlamentar Jean Wyllys, Miranda afirma que, já em março, encaminhou à Polícia Federal um conjunto de e-mails com intimidações ofensivas. Agora, a violência pela web ganhou um novo motivo: os vazamentos noticiados pelo site The Intercept Brasil.
Marido do jornalista Glenn Greenwald, responsável pela divulgação de mensagens privadas do ex-juiz Sérgio Moro, David Miranda retornou à Polícia Federal no dia 11 de junho para registrar mais agressões virtuais. Autores dos ataques anunciam perseguição da família do parlamentar e reivindicam a responsabilidade pelo assassinato da vereadora Marielle Franco. Segundo a assessoria jurídica, o caso está sob investigação na Corregedoria Regional da Superintendência da Polícia Federal do Distrito Federal.
Homossexual, negro e vindo da favela, Miranda foi eleito, em maio, um dos dez líderes da próxima geração pela revista americana Time. Enquanto São Paulo se prepara para comemorar o mês do Orgulho LGBT, na Parada realizada no próximo fim de semana, a CartaCapital entrevistou o parlamentar para falar sobre as ameaças sofridas, mas também sobre a importância de exaltar a vida. Confira:
CartaCapital: Que tipo de ameaças você recebeu?
David Miranda: Recebi várias ameaças por e-mail. Coisas muito horríveis. Ameaças direcionadas à minha família. Mas estou tentando me preservar o máximo possível. Demos entrada na Polícia Federal já em março, e agora demos entrada de novo. Mas não foi só por e-mail não. Na internet, no Twitter, no Facebook, tem várias páginas falando que eu tinha que morrer, que eu não devia estar aqui, que vão pegar a gente, que foram eles que realizaram o assassinato da Marielle. Falaram sobre a minha mãe, que estão perseguindo ela. É muito complicada essa situação. É difícil, para mim, ter que reviver esses e-mails. Não leio todos. Eu encaminho, porque não tenho estômago para ler tudo o que eles enviam.
CC: Você tem ideia da autoria destas mensagens?
DM: Tem um grupo bem famoso em fazer este tipo de ameaça. Eles fizeram com o Jean, com outros jornalistas. Um dos acusados foi preso ano passado. As primeiras denúncias vieram de dentro da deep web, sobre um fórum criado por um homem que foi preso e condenado em dezembro. Fora esses caras, são vários outros em e-mails.
CC: Quais são as outras medidas que está tomando para se proteger?
DM: A gente tomou medidas de segurança normal. A Câmara também tomou medidas de segurança e me ofereceu escolta.
CC: Como ficou o clima dentro do Congresso após os vazamentos? Você tem sentido alguma repressão entre parlamentares?
DM: A galera do Centro estava mais quieta na semana passada, porque eles não sabem o que o Glenn vai publicar. Então, ficaram muito calmos, quietos, escondidos, na deles. A galera de extrema-direita foi a que utilizou o microfone para fazer ataques ao Glenn. Ontem, saiu um ataque massivo coordenado por eles, na internet. No Twitter, principalmente. Com perfis fakes, várias fake news, caluniosas. Falam que eu paguei 700 mil dólares para ficar com o cargo. Eu estou fazendo um serviço à população, porque acredito que eu posso fazer mudanças. Mas esses caras não acreditam que pessoas como eu, que vim da favela, sou negro, LGBT, merecem estar aqui. Para eles, alguma coisa de errado aconteceu para eu estar aqui. Eu não estou surfando na onda Bolsonaro, nada disso. Fui eleito pelos cidadãos do Estado do Rio de Janeiro. Estou aqui para prestar meu serviço à sociedade.
CC: Algumas pessoas têm ligado você e o Glenn aos hackers que teriam invadido os celulares de procuradores e juízes. Como você tem respondido a essa acusação?
DM: Disseram que eu criei uma base de espionagem aqui, o que é a coisa mais absurda do mundo. Como se eu tivesse tempo para ser parlamentar, pai, marido, militante da causa, ir a eventos e ainda ser um agente de espionagem na Câmara. A realidade é que quem recebeu esse material jornalístico foi o Glenn. Isso é um material jornalístico. Independente de como foi obtido, é um material jornalístico, a partir do momento em que o jornalista o recebe e faz as publicações que são de interesse público. Agora, sobre as pessoas quererem saber se foi um hacker e se tem alguém aqui dentro, se foi alguém da própria força-tarefa da Lava Jato que fez isso, que eles abram uma investigação para apurar. Mas que, em nenhum momento, se desvie a atenção da real resposta que tem que ser dada à sociedade brasileira. Porque o juiz estava comandando, coordenando toda a operação e levou um dos candidatos à presidência para a prisão. O que o pessoal está querendo falar por aí é cortina de fumaça.
CC: Estamos no mês do orgulho LGBT e acabamos de passar pela aprovação da criminalização da homofobia pelo Supremo Tribunal Federal. Qual a sua opinião sobre a decisão?
DM: A aprovação da criminalização da LGBTfobia foi muito necessária, porque a Câmara e o Senado não conseguiram fazer um projeto que contemplasse a sociedade ou no mínimo votasse um projeto assim. Então, foi muito necessária e eu dou todo o apoio para isso. Mas o que eu acho que precisa ser feito é um projeto que eu coloquei na Casa, que é uma espécie de Lei Maria da Penha para LGBTs. São medidas ressociativas, educacionais e não punitivas para a população que cometer algum tipo de crime com os LGBTI+. É um projeto complementar. Eu acho que ajuda para ter esclarecimento sobre como os policiais podem fazer o atendimento dos LGBTIs que sofrerem agressão, por exemplo.
CC: A Parada LGBT será realizada no próximo fim de semana, em São Paulo. O que esta luta representa?
DM: Sou LGBT com muito orgulho. Tenho uma família, meus filhos foram adotados, sou casado há 14 anos e meio, somos publicamente assumidos. Estou na causa há anos, sempre na Parada de Caxias, de Niterói, você vai sempre me ver. A Parada LGBTI é uma celebração à vida. Eles falam que é só uma festa. É uma festa porque a gente está no país que mais mata LGBTIs no mundo. A gente sai de uma infância LGBTIfóbica, somos expulsos de casa e massacrados já no Ensino Fundamental. Os LGBTIs estão pensando se serão aceitos pela família, se serão expulsos de casa, se vão apanhar por LGBTfobia dentro dos espaços. É muito complicada a situação no país. Então, a Parada LGBT é sobre conseguir chegar à vida adulta e ter orgulho de ser quem você é. Temos que sair às ruas para festejar que não fomos mortos, assassinados. É celebrar a felicidade de estarmos vivos. Neste ano, fui eleito pela revista Time como um dos dez líderes da nova geração. Vir da favela, ser LGBT, ser negro e ser escolhido por uma das maiores revistas do mundo para estar nessa posição me traz um orgulho imenso.
Fonte: Carta Capital