Bolsa “dignidade” de Temer desfigura combate à pobreza no Brasil

A assistente social Ieda Castro, ex-Secretária Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), afirmou em entrevista ao Portal Vermelho que a mudança tornará irreconhecível o programa criado em 2003 pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.     

O Bolsa Família chegou a atingir 13 milhões de famílias em 2013 ou cerca de 50 milhões de pessoas. Premiada internacionalmente, a iniciativa é considerada o maior programa de transferência de renda do mundo que tirou 39 milhões de pessoas da extrema pobreza. Ieda participou da implantação do programa e vê os estudos para a mudança do nome e as novas regras como um retrocesso no olhar da política pública de combate à pobreza no país.

Lógica da exclusão social

Os estudos do governo incluem ainda, como condições para recebimento do benefício, que os filhos das famílias pobres sejam aceitos em estágios em empresas privadas. Há também a possibilidade de pagar 20 reais a mais para aqueles que realizarem trabalho voluntário. Atualmente, os beneficiários do programa recebem entre R$ 85,00 e R$ 170,00.

“Não é uma simples mudança de nome. É uma mudança de conceito que se propõe dentro da lógica conservadora desse governo. Deslocam a transferência monetária do campo do direito para o campo da meritocracia e da moral. Quando diz bolsa dignidade implica que a pessoa que recebe tem que ser digno de receber esse benefício ou deve ter feito algo para ser merecedor do benefício”, criticou Ieda (foto).

Na opinião da ex-secretária, o estado não quer mais reconhecer que pobreza é a expressão das desigualdades sociais. “Os condicionantes de quando foi criado o programa eram o acompanhamento escolar e médico para receber o benefício. Esse acompanhamento também implicava na obrigação do poder público promover o acesso à saúde e educação e outras políticas”, comparou a ex-secretária. 

Aprofundamento da pobreza e miséria

Nos governos Lula e Dilma, as crianças que recebiam o Bolsa Familia deveriam ter pelo menos 85% de frequência na escola. O governo Temer pode inaugurar uma condicionante que implicará na exclusão de beneficiários “A economia não tem estrutura para empregar todos esses jovens que precisam. O governo está estimulando um tipo de escravidão e exploração da força do trabalho de famílias que já vivem em condições precárias no mercado de trabalho, isso quando estão no mercado”, apontou Ieda.

Por que Bolsa Família? “O conceito que tínhamos é que a família é o espaço prioritário de proteção a crianças e adolescentes. A mulher, que é a mais excluída do mercado de trabalho, passaria a administrar essa renda voltada para a família. Essa ideia rompeu com a lógica do Bolsa Escola que era associada ao desempenho. Era um complemento à renda das famílias em condições de pobreza e extrema pobreza que assumiam o compromisso de acessar os serviços públicos interrompendo um ciclo intergeracional de pobreza”, explicou Ieda.

Emenda 95

Para Ieda Castro, a adoção de novas condicionantes servem para que o governo siga à risca a Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos gastos públicos com educação e saúde. “Quando impõe essas condicionalidades o governo vai excluir as famílias do programa. Assim reduz as despesas e cumpre as determinações da Emenda”, completou.

A responsabilidade vai recair sobre os ombros do jovem. “Ele será culpabilizado por não ter um estágio que o faça acessar o benefício. Acontece que a condição em que os adolescentes estão hoje não são criadas pelas famílias. A vaga de estágio é seletiva, criteriosa, focalizada e não tem acesso para todos”.

Segundo Ieda, é alto o custo social quando se compromete a lógica de cidadania e inclusão do Bolsa Família. Para ela, se associarmos essa distorção à Emenda 95 o cenário é de aumento da violência urbana, do assassinato de jovens, especialmente jovens negros, aumento da violência doméstica e mendicância. “Coisas que a gente achou que tinham ficado para trás”, enfatizou.

Política de estado

Para a assistente social, é um equívoco tratar o programa apenas como uma vitrine do governo Lula. “Ele foi implantado pelo governo Lula como um programa de Estado que envolve um pacto entre Estados e Municípios. O que o governo opta neste momento é por esvaziar medidas estruturantes que assegurariam essa criança na escola”, lamentou a ex-secretária.

“Uma pesquisa atual feita no Rio de Janeiro apontou que o primeiro ato infracional de jovens e adolescentes é quando ele evade da escola. Existe uma relação forte entre evasão escolar e as condições que se produzem dali para a frente na vida de uma criança. Essa é a lógica da visão conservadora que pode desestruturar o programa. Certamente isso vai agradar as elites que aceitam pagar pelo programa desde que ele seja meritocrático”, afirmou Ieda Castro.

Fonte: cut.org

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