Banalização do absurdo (ou: Um guia prático para conversas cotidianas)

Se a campanha foi marcada pelas Fake News, esse governo está marcado pelo amadorismo e absurdos que, infelizmente, alguns insistem em relativizar. E contra a inércia do silêncio, a tarefa é verbalizar e não fugir mais do debate.

Foto: Reprodução da internet

Chama atenção ultimamente o grau dos absurdos dito pelo presidente e seus pares que ora são relativizados ora diminuídos por parcela da população. E não é só de clássico que vivem os absurdos: terra plana, aquecimento global que não existe, doutrinação marxista ou a venezualização do Brasil. Falo dos mais recentes como a nomeação do filho para embaixador, a tentativa de relacionar ONGs ambientais às queimadas da Amazônia, a fala do “Eu, Johnny Bravo, ganhou porra”, ou a mais recente imaturidade e estupidez de ofender Macron e sua esposa pelo Twitter.

Entendo que há uma espécie de esgotamento que nos força ao silêncio. Nosso dia a dia nos cansa, fadiga, e pouco sobra de energia para debates. Mas contra essa inércia, a tarefa é verbalizar, ainda que isso nos custe o sossego em algumas situações. Para ajudar, uma lista de 5 “chavões” dos bolsonaristas que ainda restam e algumas sugestões de respostas possíveis:

1- São só 8 meses, deixa o presidente trabalhar. Demora para colocar a casa em ordem.

Então, oito meses é tempo o suficiente para “colocar a casa em ordem”, além do mais, estamos falando de um político com mais de 30 anos de vida pública, ele já deveria estar habituado com as dinâmicas do Senado e da Câmara Federal. Além do mais, oito meses foi tempo suficiente para aprovarem a reforma da previdência e realizar diversos cortes em áreas como educação e saúde, é lógico esperar que seja tempo suficiente também para dar sinais de melhora na economia e no emprego.

2- Tem que privatizar tudo. O serviço público é uma porcaria.

Tem muito serviço público ruim mesmo, mas muito serviço privado também. Ou você está contente com as taxas abusivas do seu cartão, com o atendimento da sua operadora de telefonia ou da sua TV? Além disso, temos que ter claro que o objetivo do serviço privado, além de oferecer um produto ou serviço, é ter lucro. Condicionar um serviço de saneamento básico, distribuição de água ou extração de petróleo a essa lógica, por exemplo, pode implicar em menos investimento no país porque parte do valor arrecadado será revertido aos acionistas e não à população. O que devemos cobrar é uma gestão transparente, técnica e eficiente das empresas estatais.

3- Mas está melhor que o PT. Ou você acha que se fosse o Haddad estaria diferente?

Então, não tem como prever e o que eu acho pouco importa. A questão é que Bolsonaro ganhou e é dele que devemos cobrar. Na campanha ele prometeu melhorar a segurança, a economia e o emprego, mas tudo isso só piorou. Ele sabia do desafio e mesmo assim escolheu enfrentar. É nosso papel cobrá-lo.

4- Agora vem esse monte de estrangeiro querer palpitar na Amazônia. Esquecem que esse tipo de queimada sempre aconteceu.

É verdade que as queimadas, infelizmente, sempre ocorreram na Amazônia, mas assim como os jornais, políticos e nós criticamos lá atrás, temos o dever de criticar agora também. Essas queimadas têm relação direta com a expansão do agronegócio (sobretudo pecuária e soja), que foi um dos grandes financiadores da campanha de Bolsonaro. Essas práticas, com o tempo, esgotam as vitaminas da terra e a enchem de veneno, inviabilizando qualquer retomada da biodiversidade. Se não agirmos agora, depois será tarde. E se Bolsonaro é o presidente, é dele que devemos cobrar uma solução rápida e eficiente. E nesse sentido, qualquer ajuda para frear o desmatamento é válida. A floresta Amazônica é responsável pela regulagem do clima e da chuva em diversas áreas do Brasil e do mundo. É decisiva no abastecimento dos rios e lençóis freáticos que nos abastecem de água doce. Ignorar esses fatos para defender Bolsonaro ou é hipocrisia ou é loucura.

5- É que hoje tem muito mimimi. Tudo agora é politicamente correto e Bolsonaro é um homem das antigas.

Ninguém é “das antigas”, vivemos aqui e agora e precisamos entender que a realidade mudou. Por exemplo: fazer “piada” com negro ou gay foi “natural” durante muito tempo, acontece que hoje, felizmente, essa realidade mudou. Esse tipo de “piada” perpetua ofensas que precisamos deixar de fazer. Não se trata de mimimi, é uma questão de respeito. Se falo algo que você não gosta, o mínimo que faço é pedir desculpas, parar de falar e refletir do porquê isso te ofendeu. E Bolsonaro, como ocupante do cargo máximo da política brasileira, deve sim ser o exemplo do politicamente correto.

A lista poderia ser muito maior, mais aqui está um resumo daquilo que mais escuto e do que vem funcionando como argumento. “O tempo vence qualquer ilusão. Responderei não”, como escreveu Aldir Blanc. O diálogo é um passo importante na retomada democrática e é dever de quem não concorda com o atual governo não fugir mais do debate.

por Pedro Veríssimo

Fonte: Uma Casca de Noz/Carta Capital

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