por Cesar Benjamin
Um dos aspectos mais impressionantes do livro “LTI: a linguagem do Terceiro Reich”, de Victor Klemperer, que a Contraponto publicou, é nos permitir conhecer o discurso nazista, tal como ele se desenvolveu do início do movimento até o fim da Segunda Guerra Mundial. Klemperer foi um professor de filologia que permaneceu na Alemanha observando atentamente o uso das palavras pelo nazismo desde a década de 1920 até 1945. A tese central, que defende, é a de que o nazismo se consolidou quando passou a dominar a maneira como as pessoas falavam, incluindo os seus opositores.
É um livro que alterou minha percepção do mundo. Quantos sabem que, no discurso, o nazismo falava em democracia e liberdade? Quantos sabem que a agressão era sempre dos outros, e os nazistas somente protegiam os valores do seu povo? Quantos sabem que o perímetro defendido pelo Exército alemão durante a guerra era chamado “fortaleza Europa”, área em que a civilização ocidental estava sendo protegida do ataque das “hordas asiáticas” (russos) e dos “agentes judeus” (americanos e ingleses)? Quantos já viram imagens de um Hitler bondoso, vegetariano, amigo das crianças e dos animais?
Dificilmente um alemão que vivia dentro desse espaço poderia construir uma visão de mundo que contrastasse um discurso tão esmagadoramente dominante.
Penso nisso quando olho para nós, que vivemos na área americana do mundo, também uma espécie de “fortaleza” guardada pelas agências de notícias controladas pelo Departamento de Estado.
Quantos pararam para pensar que, em plena pandemia, os Estados Unidos apertaram ainda mais as dramáticas sanções contra o Irã, impedindo o país – um dos mais atingidos – de comprar remédios e equipamentos? Quando se deram conta de que os Estados Unidos bloquearam mais fortemente o fornecimento de gás de cozinha para Cuba? Que impediram que o FMI destinasse apenas US$ 5 bilhões para a Venezuela combater o vírus em seu território? Quantos estão se dando conta de que asfixiar financeiramente a Organização Mundial da Saúde, neste momento, é um crime contra a humanidade?
Pouquíssimos. Assim como os alemães sob o nazismo, nós também vivemos esmagados por um mesmo discurso dominante, em que agressão é defesa, mal é bem, e todo ataque – mesmo o mais sórdido – se justifica porque estamos sempre nos defendendo.
É hora de ler e reler “LTI: a linguagem do Terceiro Reich”. Para que possamos pensar de forma mais livre.
Fonte: publicado originalmente em Portal Disparada