Para Eugênio Aragão, o conjunto probatório, e não só o vídeo da reunião ministerial, deixa clara a interferência de Bolsonaro na PF
Ao alertar sobre as “consequências imprevisíveis” de uma eventual apreensão do celular de Jair Bolsonaro, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, fez uma ameaça explícita à Suprema Corte e cometeu crime de responsabilidade. A avaliação é do advogado Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, para quem o gesto demonstra, ainda, o desespero do Planalto com o inquérito que apura a interferência do presidente na Polícia Federal. “Ao que tudo indica, o governo tem muito, muito a esconder”.
CartaCapital: Como classificar a declaração do general Heleno?
Eugênio Aragão: O general Heleno demonstrou claros sinais de desespero. Ao que tudo indica, o governo tem muito, muito a esconder. Em qualquer inquérito, é perfeitamente legítimo a apreensão do celular do investigado por determinação judicial. O presidente não é diferente das outras pessoas. Claro, o tribunal precisa ter todo o cuidado de manter sob sigilo segredos de Estado. Os ministros do Supremo são capazes de fazer essa distinção. Devemos lembrar que se trata de um celular de serviço e, portanto, pago pelo contribuinte. Não há razão para acobertar nada só pelo princípio da privacidade. Quem usa um celular funcional não tem esse direito.
CC: E as implicações políticas? Foi claramente uma ameaça a um ministro do STF, não?
EA: Sim, foi uma ameaça explícita à Suprema Corte. O general Heleno claramente não tem noção do decoro que o cargo dele exige. Como um ministro de Estado, ele jamais poderia dizer isso, jamais poderia ameaçar outro poder constituído. Ele está sujeito, inclusive, a julgamento por crime de responsabilidade. Lembrando que a lei 1.079, que trata do tema, também se aplica aos ministros.
CC: O vídeo divulgado por Celso de Mello, da reunião ministerial delatada por Sergio Moro, comprova a interferência do presidente na Polícia Federal?
EA: É preciso analisar a obra como um todo. O vídeo se soma a outros elementos probatórios, como o depoimento de Moro e as revelações feitas pelo empresário Paulo Marinho, que delatou o vazamento de uma operação contra o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Ou seja, o que é dito nessa reunião, articulado com as outras provas colhidas, pintam um quadro muito claro de interferência de Bolsonaro na PF, com o objetivo de blindar seus familiares e amigos de qualquer investigação. Aliás, vale mencionar: não sabemos o que a quebra do sigilo do celular poderia revelar. Por isso, acho que essa perícia é absolutamente necessária e pertinente.
CC: O ministro da Educação, Abraham Weintraub, também fez comentários agressivos contra ministros do STF, tratados como “vagabundos” que, por ele, estariam na cadeia. Cometeu algum crime?
EA: Sem dúvidas. É outro ministro que praticou crime de responsabilidade. Ao insultar o STF, ele atenta contra a separação e harmonia entre os poderes.
CC: Mesmo tendo dito isso em uma reunião fechada?
EA: Não existe reunião ministerial fechada. Os ministros despacham individualmente com o presidente da República. Nesse momento, pode, sim, haver algum tema protegido por sigilo. Em uma reunião com mais de 20 pessoas, não é crível que, ali, fosse tratado algo sigiloso. Aquilo foi um ato público, quase solene, onde se discutia um plano econômico para enfrentar a crise que o Brasil enfrenta. Achei razoável, da parte do ministro Celso de Mello, retirar as referências a Estados estrangeiros, porque um comentário infeliz poderia comprometer a qualidade das relações internacionais, em prejuízo do País. Mas isso não exclui a possibilidade de se responsabilizar o ministro das Relações Exteriores por depreciar outras nações.
CC: O que mais lhe chamou a atenção nessa reunião?
EA: Honestamente, tive a impressão de aquilo não era exatamente uma reunião ministerial. Parecia mais um recreio de meninos travessos. Falou-se tanta bobagem, tanta besteira, que é espantoso imaginar que aquilo era um encontro da cúpula do governo. Eu espero que esse vídeo desperte a consciência dos que ainda acreditam que essa turma seja apta e capaz de administrar o Brasil.
Fonte: Carta Capital