por Marisa Demarzo
Vivemos hoje um momento de extremidade no país, mas não apenas com o risco da perda de um regime político recente que se quer participativo popularmente e representativo em seus comandantes, a democracia. Uma ameaça eminente às propriedades intelectuais e científicas que o país desenvolve com potência, excelência e que possui alcance nacional e internacional, suas universidades públicas, acendeu mais um sinal de alerta nos últimos dias com os “erros” relacionados a seu ingresso.
Semelhanças com o projeto educacional do período ditatorial são perceptivelmente reconhecidas ao momento histórico que vivemos hoje, e é importante olhar com cuidado pra elas. Da mesma maneira que Paulo Freire sofreu perseguição e exílio por seu projeto de alfabetização nacional de jovens e adultos em 1964, tendo a educação básica perdido investimento considerável na ditadura militar, o mesmo personagem representativo do letramento do povo – processo esse que possibilita leitura crítica do mundo –, é acossado pelos vermes comandados por Abraham.
A Universidade, por outro lado, pública e privada, sentiu importante expansão entre os anos de repressão, violência e silenciamento de vozes. De em torno de 140 mil estudantes matriculados no ensino superior em 1964, esse número elevou-se para quase um milhão e meio em 1984 e, embora a extensão das escolas particulares tenha sido expressiva, compondo o projeto real do período, o de privatização da nação, o alargamento das Universidades Públicas tinha um claro objetivo de controle estudantil e docente, aliado a um projeto de apropriação das benesses da ciência e tecnologia, em atraso no país, para o desenvolvimento econômico de interesse militar.
Os acordos MEC/USAID, que incluíam a perspectiva formativa norte-americana e a contratação de técnicos estadunidenses para orientar o projeto educativo nacional, ou o Projeto Rondon, que direcionava estudantes a uma linha assistencialista de atuação, denotam os objetivos de usar a produção intelectual financiada pelo povo em favor dos interesses de uma classe econômica que se fortalecia na ditadura militar.
Ali, ainda que o projeto fosse de interesse privado, a Universidade Pública era importante, e foi meticulosamente fortalecida, sobretudo na pós-graduação. Agora, os acordos e alianças, não horizontais, com os norte-americanos são reavivados e realinhados, mas a Universidade Pública não é mais tão necessária, nem no que se refere a sua autonomia, tampouco a sua produção científica.
Os “erros” grotescos com a correção das provas do ENEM, ou com o Sistema de Seleção Unificada, o SISU, não são fruto de incompetência da equipe do Ministério da Educação e nem mesmo sabotagem, argumento que não vale nem atenção. Abranham Weintraub, quando aceitou assumir o Ministério da Educação, não o fez para ser chacota aparecendo dançando em rede social com guarda chuva ou errando gramática descuidadamente, dando a entender que não é competente para o cargo. Esta vestimenta de personalidade tem como objetivo um só, a privatização da educação brasileira.
O discurso de incompetência do serviço público, escaldado na nossa história, é percurso certo para a adesão popular de que a gestão privada comunga dos preceitos da eficiência e eficácia, ficando a administração pública com a responsabilidade pelo atraso econômico da nação. O que Weintraub e o governo fazem, propositalmente, é mostrar à população que a gestão pública não possui as condições necessárias para administrar a tamanha tarefa de cuidar do Ensino Superior, e este projeto da ditadura hoje pode ser finalmente colocado em prática de vez. O próximo passo será a privatização dos serviços de seu ingresso. Aguardemos o processo de 2020.
Fonte: Portal Disparada