Brasileiro naturalizou racismo e enxerga-o como obra de pessoas, não do País
Os negros são a maioria da população mas vivem em condições sociais e econômicas piores. O coronavírus agravou as coisas. Os efeitos da pandemia são mais perversos para eles, a ponto de um branco ter mais chance de pôr a mão no auxílio auxílio emergencial de 600 reais pago pelo governo.
Dava para imaginar que seria diferente em uma sociedade que até enxerga a existência do racismo, mas o encara com naturalidade e obra de pessoas, não de um país construído ao longo do tempo para ser assim?
Essas são algumas das constatações de quem vê uma pesquisa sobre racismo que acaba de sair forno do Instituto Locomotiva, feita para a Central Única das Favelas (Cufa).
Entre os negros, 73% perderam renda na pandemia, ante 60% no caso dos brancos, e 49% deixaram de pagar conta, índice de 32% para os brancos. Claro: ocupam posições mais precárias no mercado de trabalho (informalidade, serviço doméstico, autônomos), daí que ganham menos por mês: 1,7 mil reais em média, enquanto a média dos brancos é de 3,1 mil.
Nas classes D e E, as mais miseráveis, 74% são negros. Na C, 60%. Na A e B, as mais ricas, 37%.
Por serem a maioria da população e mais pobres, os negros tentaram mais ter acesso ao auxílio de 600 reais pago na pandemia: 43% no caso deles, 37% no dos brancos. E se deram pior. Entre os negros que pediram, 74% conseguiram. Entre os brancos, 81%.
É uma consequência da “baixa escolaridade”, afirma Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva. Os negros têm mais dificuldade para entender quais são as informações necessárias que precisam apresentar e para repassá-las corretamente à Caixa Econômica Federal.
“Outra questão é que o percentual de negros em favela é maior e na favela tem muito endereço compartilhado, aí o sistema [da Caixa] diz que é fraude”, afirma Meirelles.
Dos 118 milhões de negros que, segundo a pesquisa, há no Brasil (56% da população total estimada em 212 milhões), a maioria está no Sudeste (43 milhões, ou 37%) e no Nordeste (42 milhões, ou 36%).
Por serem mais pobres, sofrem mais para tratar do coronavírus, caso se infectem. Só 19% deles possuem convênio, taxa de 28% entre os brancos. Na rede privada, existem 4,9 leitos para cada 10 mil habitantes, informa a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). No SUS, 1,4.
Os negros têm mais dificuldade também para contornar, através do ensino à distância, a suspensão das aulas em escolas e universidades. Metade dos brancos (49%) possui computador, conforme a pesquisa. Entre os pretos, são 34%. Entre os pardos, 38%.
É uma situação que ajuda a reproduzir a desigualdade educacional e, portanto, a social. Entre os homens brancos acima de 25 anos, 23% cursaram faculdade. Entre os negros, 9%, e sua média salarial é 32% menor. No caso das mulheres brancas, 27% têm diploma. No das negras, 13%, com média salarial 33% inferior.
A cor dos professores é uma das métricas do chamado racismo estrutural, aquele que está entranhado na vida brasileira e ajuda a mantê-lo ao longo do tempo. Entre os entrevistados do levantamento feito para a Cufa, 65% disseram ter tido docentes brancos. Os médicos pelos quais foram atendidos na vida eram 85% brancos. O governantes dessa cor eram 90%.
Outro exemplo do racismo estrutural é o tratamento dispensado pela polícia e por seguranças de lojas.
Para 94% dos entrevistados, um negro tem mais chance de ser alvo de uma abordagem policial violenta e de ser morto pela polícia. De cada dez negros, três já foram seguidos por seguranças de lojas. No caso dos pretos, o índice sobe para 50%.
Combater o racismo é uma luta de todas as pessoas, inclusive brancas, na opinião de 93% dos entrevistados. Isso significa uma consciência completa do problema racial no Brasil? Negativo.
A maioria dos entrevistados (62%) acredita que o racismo está “na sociedade brasileira”. Mas outros 38% entendem que está “apenas em algumas pessoas”. E, por incrível que pareça, 53% acham que brancos “também são vítimas de racismo”.
Conclusão da pesquisa: “Apesar de assumir a luta contra o racismo como sendo de todas as pessoas, ainda não há clareza na população sobre o caráter estrutural do fenômeno na sociedade brasileira e nem sobre a impossibilidade de pessoas brancas serem vítimas de racismo”.
Fonte: Carta Capital