por Mino Carta
Bolsonaro é o desfecho inevitável de um enredo de 518 anos e expõe a debacle de um PT velhaco na hora final. Agora, mais do que capitão, assustam os togados golpistas e o exército de ocupação
Jantava com Paulo Henrique Amorim em restaurante da nossa preferência e na mesa ao lado dois casais, cavalheiros pançudos, damas empetecadas, erguiam brindes a Bolsonaro e Marine Le Pen.
A eleição aconteceria dois dias após e aqueles perfeitos representantes da chamada classe média brasileira já declinavam seu voto sem saber que a senhora Le Pen não apreciaria ser escalada em companhia do capitão. Para permanecer na crista das ondas, os abastados nativos agarram em fio desencapado, como diria Plínio Marcos.
A nossa ignorância política já forjou, nos últimos 60 anos, figuras como Jânio Quadros, Paulo Maluf, Fernando Collor, para não dizer de outras menores, mas exemplares no gênero, entre elas João Doria e Garotinho.
Nada e ninguém é pior que Jair Bolsonaro, até mesmo a Globo e sua máquina de propaganda determinante ao êxito do golpe de 2016. No caso, a ironia do destino produziu um efeito espetacular: à sombra de Bolsonaro, o bispo Macedo torna-se especialmente indigesto para quem vive próximo das águas poluídas da Lagoa Rodrigo de Freitas e da Marginal do Pinheiros.
Nem Fernando Morais nem eu, ao visitar Lula na prisão, na quinta-feira 11, perguntamos ao ex-presidente condenado sem provas se porventura se regozijava com a cilada urdida pelos fados contra os propagandistas globais.
Estivemos com o velho e caríssimo amigo sem a intenção de entrevistá-lo para evitar um novo processo, este por desobediência, conforme a ameaçadora determinação do supremo presidente dos golpistas de toga, aquele Toffoli que o próprio Lula indicou para o STF.
Nem por isso deixamos de falar da situação na perspectiva do segundo turno e ele queixou-se do tom menor da campanha de Fernando Haddad.
Com a energia e a vivacidade de sempre e no embalo a quem sugere o mea-culpa da esquerda, Lula repetiu não ser hora de atos de contrição, mesmo porque o PT mostrou vitalidade no primeiro turno. O ex-presidente conserva, além da saúde, as emoções e frequentemente o sorriso, a despeito das vicissitudes sofridas desde a tenebrosa noite de 7 de abril passado.
E, mais, o poder de sedução, exercido sobre seus carcereiros, conquistados. Vive em um espaço de 25 metros quadrados, banheiro incluso, a cama encostada em uma parede, do outro lado a esteira para manter a forma, um guarda-roupa, mesa no centro e algumas cadeiras. Sentamos e conversamos por uma hora.
Quando não chove, Lula pode percorrer um corredor curto e estreito para alcançar diretamente um estranho recinto, diria de 5 x 4 metros, cercado de muros, aberto para o céu sem vista para o exterior, de onde se eleva o coro dos fiéis estacionados em frente à PF: “Lula livre”.
Fernando Morais gira os olhos sobre aquele cubículo cimentado lividamente e sentencia: “Este é um canil”. Os dois guardas que tomam conta do preso, Chastalo e Sebastião, os seduzidos, explicam que o ex-presidente, quando possível, toma sol por uma hora e meia esticado no banco de pedra a ornar a solidão.
Nada é pior que Bolsonaro e nada é mais desolador do que encontrar o grande líder popular brasileiro encarcerado. Pessoalmente, concordo não ser hora de autocríticas, mas também me parece não ser hora das vaias petistas que levaram Cid Gomes, no dia 15, ao destempero no decorrer de uma reunião entre presumíveis aliados.
Assim se demolem as pontes lançadas pelo projeto de uma frente democrática. Muitos erros foram cometidos pelo caminho, sem perceber as pedras ou as ignorando.
No pior momento da nossa deplorável história, o PT mostra toda a sua visceral incapacidade de ser o partido de esquerda de que o País necessita, no sentido, digamos assim, contemporâneo do pensamento de Norberto Bobbio, a agremiação determinada a defender a igualdade neste Brasil brutalmente desigual.
Os últimos movimentos do petismo fracassado estão na censura praticada apressadamente em relação ao programa eleitoral, ao retirar as demandas que mais incomodam a casa-grande, com o remate de extrema covardia do candidato Fernando Haddad, disposto a elogiar um dos principais responsáveis pelo desastre atual, o reles inquisidor Sergio Moro, torquemadazinho tão representativo da nossa Idade Média.
É a traição cometida contra o próprio líder e fundador do partido, mesmo que Lula não se dê conta disso e da patética inutilidade do seu sacrifício.
Se houve oportunidade para ampliar o raio das alianças aos que, mesmo sem figurar no campo progressista, se dão conta do risco Bolsonaro, esta eleição ofereceu a mais propícia, sem falar da indispensável aliança de Ciro Gomes. Ocasião perdida.
De resto, que esperar de um país onde os termos esquerda e direita perdem qualquer significado, até hoje entregue a um exército de ocupação e ao monopólio midiático?
Anotem: o golpe de 2016 é mais nefasto do que o de 1964, conquanto então tenham sido lançadas as sementes da tragédia de hoje. Ilo tempore, ao menos os fardados eram nacionalistas e, portanto, desenvolvimentistas, e contiveram a tendência à vassalagem aos EUA pretendida pelos golpistas à paisana.
Hoje, as Forças Armadas, de farda e de pijama, apoiam a insanidade bolsonarista, genuflexa diante do neoliberalismo in extremis, a peste bubônica da nossa Idade Média, e da vontade de um Tio Sam que, ao tirar a cartola, exibe o topete de Donald Trump.
Difícil, se não impossível por ora, imaginar o que nos espera, cientes ou não da ameaça à nossa espreita. Tomo aqui a cautela do locutor de futebol que, aos 30 minutos do segundo tempo, quando o adversário dos Canarinhos vence por 2 a 0, vislumbra uma ainda possível reversão.
Aos meus botões, entre perplexos e atônitos, pergunto: que acontecerá quando os eleitores do capitão, sobretudo os pobres, se for ele o eleito, entenderem ter sido logrados?
E que fará a mídia nativa ao se defrontar com sua própria responsabilidade pelo advento do monstro? Quanto vai durar um governo Bolsonaro não me arrisco a dizer. Confesso, porém, que mais temor e espanto me causam o Judiciário golpista e o exército de ocupação.
Fonte: Carta Capital