O golpe explicado a minha filha de 11 anos

Por Lúcia Helena Issa

Foto: Brasil 247

Há cerca de dois anos, numa tarde de chuvas assustadoras e um anoitecer invernal aqui no Rio, alguns meses depois do Golpe de 2016, depois daquele fatídico domingo em que deputados evocaram Deus, a família, os filhos ou Jesus Cristo em pessoa para aprovarem um impeachment sem crime e depois de Temer começar a confiscar direitos dos nossos irmãos mais pobres, nomear corruptos históricos para o ministério, afirmar que venderia para as multinacionais uma parte maior do Pré-Sal e daria aos estrangeiros uma imensa isenção de bilhões de reais de impostos às petroleiras estrangeiras, lesando a Pátria em mais em mais um de trilhão de reais que seriam investidos na Educação das nossas crianças, minha filha, então com apenas 11 anos, me perguntou:

– Mãe, você pode me explicar uma coisa?

– Claro, filha, o que vc quer saber?

– O Temer não era o vice-presidente da Dilma? Então, por que ele está fazendo tudo isso que te deixou tão triste, mãe? Ele não queria as mesmas coisas que ela para o Brasil, ou ele só fingia que queria? Isso não foi uma traição?

Achei a pergunta boa e de certa profundidade para uma menina de 11 anos.

Refleti um pouco sobre o que eu responderia e disse:

– Olha, filha, o Temer e a Dilma formavam uma ” chapa”, o que significa mais ou menos um grupo musical, um grupo de pessoas pessoas que se unem, com algumas ideias em comum, mesmo sendo muito diferentes entre si, apresentam um projeto de Brasil para o povo, comoo projeto de uma casa, dizem que partes da “casa” receberão mais investimentos, mais dinheiro (como a cozinha e a biblioteca, por exemplo) e que partes da “casa” receberão menos, falam sobre o que farão para a saúde, para os direitos das pessoas e, com esse projeto de “casa”, são eleitos ou não. O Temer nunca teve muitos seguidores nesse grupo musical, as pessoas não o conheciam e os que o conheciam não gostavam muito de sua ” música&qu ot; e ele só foi eleito porque era parte de um projeto de casa que as pessoas queriam muito, o projeto feito feito grupo representado por Dilma naquele momento. Na verdade, seu partido nunca eleito um presidente da República.

– Então foi uma traição bem grande, pois ele traiu não só o grupo inteiro, mas também esse projeto de casa que você disse, mãe?

– Sim, porque ao trair as pessoas do grupo musical a que ele pertencia, ele acabou traindo também um projeto inteiro de país, um projeto que, mesmo não sendo perfeito, tirou quase trinta milhões de pessoas da miséria, filha, um projeto que foi elogiado pela ONU por combater a fome, por fazer programas sociais como o Bolsa Família, o Luz para Todos e que também levou alunos talentosos, mas muto pobres e que não tiveram as mesmas chances que você, para estudar fora do Brasil , através do Ciência Sem Fronteiras… Temer se uniu a um grupo rival, um grupo que tinha um projeto de “casa” muito diferente do que foi escolhido pelos p brasileiros nas urnas, entendeu?

Para você entender melhor, eu poderia dizer que Temer fez exatamente como o Scar, o tio do Simba no filme O Rei Leão. Lembra-se de como o Scar traiu o Mufasa no filme e, mesmo pertencendo ao mesmo grupo de Simba e Mufasa, ele acabou se unindo às hienas? Ele acabou se unindo ao grupo que levou ao caos e à fome para os bichos mais frágeis da selva?

– Lembro, mãe… O que ele fez foi horrível e acabou levando muitos animais da selva a morrerem, pois a fome voltou para a selva e muitos animais começaram a se odiar.

– Sim e mesmo na vida real, quando traímos nossos princípios, traímos nossos amigos ou não cumprimos promessas, a história nunca acaba bem . Temer cometeu uma traição ao se unir a um grupo que tinha planos de excluir os mais pobres desse projeto de ” casa”, entregar o petróleo do Brasil a preços muito baixos para os estrangeiros, tirar nossos irmãos mais pobres dos programas sociais que os ajudavam a sair de uma situação de miséria . Scars e Mufasas têm visões muito diferentes do mundo, entendeu?

– Scar era muito diferente do Mufasa…

– E sabe o que irá acontecer com Temer? Ele se tornará um dos governantes mais odiados da História, como foi Scar no filme, porque a covardia e a traição acabam sempre mal, e acabam levando o traidor para uma gaveta da História que ninguém mais abre.

Naquela noite, minha filha de 11 anos entendeu minha profunda tristeza pelo sequestro do futuro do Brasil. Entendeu que a covardia, a maldade e a traição não beneficiam nem mesmo ao traidor.

Naquela noite, há dois anos, minha filha entendeu que Scars não são líderes de verdade, não foram escolhidos para o cargo que ocupam, e serão rapidamente esquecidos pela História, mas podem nos fazer um imenso mal no período em que ocuparam o lugar da leoa escolhida de fato.

Naquela noite, minha filha de 11 anos entendeu o que havia acontecido no Brasil.

Inacreditavelmente, alguns homens de 50 anos ainda não entenderam. E, como as hienas de O Rei Leão, riem, entre alienados e arrependidos.

Lúcia Helena Issa é jornalista, escritora e ativista pela paz. Foi colaboradora da Folha de S.Paulo em Roma. Autora do livro “Quando amanhece na Sicília”. Pós- graduada em Linguagem, Simbologia e Semiótica pela Universidade de Roma e embaixadora da Paz por uma organização internacional. Atualmente, vive entre o Rio de Janeiro e o Oriente Médio.

Fonte: Brasil 247

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