Na Bienal da UNE, as bandeiras da esperança em meio ao fascismo

Chegados a Salvador de todos os cantos do país, estudantes relatam motivações para a luta pelo restabelecimento da democracia, com o devido reconhecimento do direito de todos à plena cidadania,

Bienal da UNE mostra que a juventude universitária começa o ano de 2019 fortalecida e unida em torno da defesa da democracia – Foto Guilherme Imbassahy I Cuca da UNE

Todas as manhãs, desde a quinta-feira (7) dezenas de ônibus chegam ao campus Ondina, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), trazendo centenas de estudantes que, carregados de esperança, trazem em comum o objetivo de construir a unidade contra os avanços reacionários. Na 11ª Bienal da União Nacional dos Estudantes (UNE), a juventude abastece sonhos e desejos de um futuro promissor e constroi uma nova aurora para os atuais tempos de escuridão.

Vindos dos quatro cantos do Brasil, os estudantes se dizem motivados para enfrentar o que for preciso para participar ativamente do primeiro grande encontro organizado por um dos principais movimentos sociais do país, desde a posse de Jair Bolsonaro (PSL) como Presidente da República – e sua agenda de retirada de direitos.

Ralf Amaral passou quase três dias no ônibus que saiu do campus de Passo Fundo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), onde estuda. Apesar de não fazer parte de nenhum movimento organizado, ele fala de sua vontade de fazer parte da construção de um espaço democrático.

“Vivenciar esse momento de fortalecimento do movimento estudantil é extremamente essencial”, contou ele, que teme o fim das universidades federais. “Nós, como estudantes, devemos defender o direito ao acesso à educação. O medo prevalece, mas no entanto é o momento para partir à luta. O Brasil estava parado e desmobilizado, mas devemos permanecer juntos.”

O evento organizado pela UNE, em parceria com a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), tem como objetivo colocar – mais uma vez – o movimento estudantil na linha de frente da luta contra os retrocessos patrocinados pelo governo Bolsonaro.

Para essa moçada, é preciso não dar aos adversários o que eles querem: a desmobilização, os desmontes dos avanços na democratização da educação, sobretudo a pública e a desesperança da juventude.

A estudante Rebeca Calgaro também passou mais de dia na estrada rumo à Salvador. Aluna de psicologia na Universidade Federal de Goiás (UFGO), diz que buscou motivação para a viagem pensando em carregar suas próprias energias e levar aos colegas. “Esse evento é importante para discutir quais as saídas progressistas dos jovens para defender o país e a educação pública. Eu venho para cá pegar forças do Brasil inteiro e ver que não estou sozinha”, afirmou à RBA.

Já Ian Ribeiro da Silva, aluno de Ciências Sociais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), veio à capital baiana pensando no futuro e com fé na unidade da galera. “Se nós não nos organizarmos, a universidade não existirá para nossos filhos estudarem. Essa unidade é importante. Se os estudantes se digladiarem por causas menores, a derrota principal será para a futura geração e todos os ganhos que tivemos nos últimos anos serão em vão”, afirmou, lembrando os avanços das políticas educacionais dos governos Lula e Dilma, entre 2003 e 2016.

Outros também enxergam a bienal como uma oportunidade de adquirir conhecimento e ganhar voz. A estudante secundarista Leila Braga da Costa conta que saiu de Manaus, capital do Amazonas, no último domingo (3) para colher informações, formar posições e levar o debate para sua escola. “A gente busca algum ponto para se articular. É uma oportunidade de aprender a ampliar nossa voz e reverberar na região que eu moro. Isso vai ser importante para a mobilização nacional”, contou, sem esconder a empolgação.

Pedro Gorki, presidente da Ubes, espera que a juventude não perca “a capacidade de sonhar de olhos abertos”. Ele cita o poeta baiano Castro Alves (1847-1871) como inspiração para continuar na luta. “Ele sempre falou que “todas as noites tem auroras”. A gente sabe que hoje pode ser uma grande tempestade, que tudo está escuro. Porém, depois da chuva, vem o arco-íris e depois da noite, o amanhecer.”

União acima de tudo

Colocar em prática a frase “ninguém solta a mão de ninguém” é o principal mote nesta Bienal da Une, fortalecido sobretudo pela derrota dos setores progressistas experimentada nas eleições presidenciais do ano passado e a chegada ao poder de um governo autoritário, fundamentalista e privatista.

A construção de uma resistência fortalecida pelo unidade e pelo apoio mútuo é prioridade e forma a linha-mestra do encontro. O espírito de união pode ser uma maneira de trazer novos estudantes para o movimento, acreditam eles. “Não nos iludimos com o Bolsonaro, somos a vanguarda da luta”, diz Manoel Ferreira Filho, estudante de Pedagogia da Universidade de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo.

A presença de quase dez mil estudantes em Salvador aponta também para o fortalecimento das entidades representativas dos movimentos estudantis durante os próximos anos. Renata Campos, presidenta da União da Juventude Socialista (UJS), afirma porém que manter a unidade será fundamental para o enfrentamento dos retrocessos esperados sob a gestão Bolsonaro e pede que os setores progressistas da sociedade deixem as divergências de lado. “Temos uma questão maior: a defesa do nosso país e da democracia.”

“A UNE pede uma unidade entre todos os movimentos. É preciso o maior número de estudantes para enfrentar o Bolsonaro. A gente sabe que a pauta é de retrocesso, então é importante que todos os movimentos sociais estejam unidos”, convoca Leonardo Lima, secretário da União Nacional LGBT.

As diversas faces da Bienal

Apesar das críticas e apontamentos para os erros do campo progressista, uma afirmação é unanimidade entre todos os estudantes: os avanços proporcionados durante 13 anos na inclusão de jovens nas universidades. Se anteriormente havia uma total dominação de brancos e ricos nas salas de aula, a Bienal mostra que o espaço estudantil, agora, é ocupado por mulheres, negros, indígenas e LGBTs.

Filhos do Prouni, Reune, Fies e Enem – programas federais dos governos Lula e Dilma –, como alguns denominam, os jovens comemoram a oportunidade que tiveram de ingressar no ensino superior.

Mel Gomes, ex-diretora de Cultura da UNE, e participou da organização da 10ª Bienal, em 2016, diz que a universida, agora, passou a refletir com mais fidelidade a formação da sociedade brasileira. Mulher, negra e lésbica, ela se vê representada e com voz ativa junto aos colegas. “A gente consegue ver que, pessoas como eu, tiveram mais condições de estar na universidade e conseguindo se expressar. A partir disso, a Bienal consegue captar essa energia e refletir no público. Isso é o mais mágico”, disse, sorrindo.

Para o presidente da Ubes, Pedro Gorki, a maior diversidade e pluralidade dentro do universo acadêmico, também faz o movimento estudantil mais democrático. “Por exemplo, pela primeira vez na história da Ubes, a mesa diretora da presidência é totalmente negra. Isso é uma mudança, poucos negros tinham oportunidade de debater o movimento secundarista”, relatou. O público que vem para a Bienal é a cara da juventude que vai mudar esse país e colocá-lo ‘de cabeça para baixo’. Se a ordem for matar as minorias, nós queremos mudar essa ordem. Para ter um país igual, nada melhor do que colocar toda a composição social do Brasil dentro da nossa bienal, que reflete o que é o ensino público. Fico muito orgulhoso de ver que tantos jovens negros, nordestinos e mulheres estão tendo voz, no momento que o governo federal trabalha pelo oposto”, finalizou.

Futuro: medo ou esperança?

Para os próximos quatro anos que virão com Bolsonaro na Presidência, os jovens se dividem entre o medo da retirada de direitos e retrocessos educacionais, com a esperança de que tudo será uma maré passageira.

O medo é baseado na incerteza sobre as oportunidades que os esperam no mercado de trabalho e na possibilidade de não se aposentarem. Eles temem ainda o fim das universidades públicas e pensam em como as gerações futuras podem ser afetadas, com a desconstrução das políticas de inclusão educacionais.

Fabiola Pavani Loguercio, saiu de Porto Alegre-RS e também ficou três dias viajando até chegar a Salvador. Pré-vestibulanda, sonha em cursar Direito, mas não conseguiu a vaga pelo exame do Enem. Dizendo-se motivada pela vontade de cumprir seu papel no desenvolvimento social, a jovem gaúcha tem um pé atrás com seu futuro, pois teme que o Enem deste ano pode ser o último.

“Agora, tenho medo de não entrar na universidade, por conta dos riscos que as universidades públicas correm de serem privatizadas, sem falar do risco do fim das cotas”, lamentou. “É um medo que os brasileiros vão ter: de não entrar na universidade. Há um tempo atrás, antes da minha geração, esse sonho era muito difícil também”, acrescentou ela.

Gabriel Augusto Alves cursa Serviço Social na Universidade Federal Fluminense (UFF) e associa a dificuldade que sente em planejar o próprio futuro ao fato de ser negro, numa sociedade que ameaça reeditar os tempos da escravidão. “Perguntar para um jovem negro sobre seu futuro é algo incerto, principalmente quando temos um presidente que não legitima nossa luta.”

O sentimento de incertezas, porém, é acompanhado da inspiração para resistir e lutar. “A esperança é revolucionária”, lembra Ian Ribeiro, futuro professor. “Minhas perspectivas não são positivas, por conta dos projetos (como o Escola Sem Partido) que visam acabar com o ensino crítico. Mas, se a gente deixa de ter esperança, o corpo se quebra. Nós precisamos ter esperança e ser sempre mais fortes.”

A cearense Adila Carvalho, declara que, quase obrigatoriamente, nasceu resistindo. “A vitória do Bolsonaro foi uma derrota, mas não estou sem esperança, eu sei a força que temos. Eu tenho força, como mulher, preta e lésbica, sou o que a população abomina, então sou a luta por si só”, concluiu.

Leonardo, da União Nacional LGBT, também vê dois caminhos que se apresentam como opção para a juventude: o medo, que fortalece o governo Bolsonaro e seus retrocessos e, por outro lado, a unidade em torno das muitas bandeiras que simbolizam a esperança. “O que me motiva é a luta LGBT, a vida das minhas irmãs e dos meus irmãos que estão sendo ceifadas com aval do governo federal.”

A Bienal da UNE se encerra neste domingo (10), com uma plenária final e um ato celebrando os 40 anos de reconstrução do movimento estudantil e os claros sinais de que a juventude universitária brasileira começa o ano de 2019 fortalecida e disposta a ser uma das frentes da construção da resistência, em defesa da democracia e do reconhecimentos dos direitos de todos os cidadãos, sem exceção de espécie alguma.

Fonte RBA/ O Vermelho.org

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