Em artigo publicado nesta segunda (1º), no jornal Folha de S.Paulo, Fernando Haddad (PT), Flávio Dino (PCdoB), Guilherme Boulos (Psol), Ricardo Coutinho (PSB) e Sônia Guajajara (Psol), líderes da oposição no país, dizem que não cabe outra interpretação na história brasileira para o que ocorreu há 55 anos com o golpe militar de 31 de março de 1964
Segundo eles, o que aconteceu após o episódio está fartamente documentado: torturas, desaparecimento de pessoas, censura a artistas e intelectuais.
“Nenhum outro país do nosso continente, que também passou pelo mesmo processo histórico, aceita discutir qualquer aspecto de comemoração ou rememoração de suas ditaduras militares”, diz o texto.
“Democracia Sempre, Ditadura Nunca Mais”, escrevem os líderes antes lamentando a posição de um presidente da República contra a própria Constituição do país.
Confira a íntegra do artigo:
O golpe de 1964: Não há o que comemorar ou rememorar
Não se trata de mera questão semântica. Chamar o que ocorreu há 55 anos pelo nome certo é ato de respeito à nossa história e às vítimas de páginas de horror.
Sim, foi um golpe porque o que foi feito naqueles dias rasgou a Constituição de 1946, então vigente. João Goulart era o presidente da República e afastá-lo pela força das armas não possuía amparo constitucional. Lembremos Tancredo Neves, bradando indignado contra a fraude perpetrada no Congresso Nacional sob a mira das baionetas.
O que se seguiu ao golpe perpetrado há 55 anos está fartamente documentado: torturas, desaparecimento de pessoas, censura a artistas e intelectuais. A repressão descarada, as Obans, os Doi-Codis, as valas comuns no cemitério de Perus e em tantos outros em todo o país. O empoderamento dos esbirros nos Dops. A prepotência e as muitas cassações arbitrárias: mandatos parlamentares, professores universitários, ministros do Supremo Tribunal Federal. Cassaram o sagrado direito de pensar diferente e a liberdade de expressão. E puniram quem se insubordinasse a esta ordem.
Do ponto de vista econômico, aos dias de crescimento se seguiram anos de inflação galopante, recessão econômica, dívida externa, concentração de renda nas mãos de poucos. O bolo cresceu e não foi dividido. Naqueles dias, poucos tinham acesso a escolas e a saúde pública era mais precária do que é hoje. O Brasil foi à falência ao final dos governos militares, com inflação gigantesca e socorros do FMI.
Nenhum outro país do nosso continente, que também passou pelo mesmo processo histórico, aceita discutir qualquer aspecto de comemoração ou rememoração de suas ditaduras militares.
Na semana passada, a sociedade argentina repudiou em uníssono sua efeméride trágica, que custou a vida de mais de 30 mil cidadãos. No Chile, o presidente Sebastián Piñera qualificou de infelizes as declarações do seu colega brasileiro, que enalteceu o triste período Pinochet.
Não há o que comemorar ou rememorar. Vivemos sob a Constituição de 1988, a Carta Cidadã de Ulysses Guimarães e de democratas que proclamaram repulsa àqueles tempos. Por que, então, o atual presidente resolveu acender esse conflito?
Estamos assistindo a um desgoverno que rapidamente se esgota. Não há políticas públicas apresentadas à nação, como se demonstra com o caos no Ministério da Educação, o e exótico Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o confuso Ministério do Meio Ambiente… Gerar conflitos passou a ser conteúdo e é a única forma de governar. Criam-se “inimigos” o tempo inteiro para dividir o país e, com isso, supostamente sustentar o governo.
Invoca-se uma nova política cujos desígnios são inspirados por um falso filósofo que se abriga no exterior. Nesse esforço de criar confusões não se mede nenhuma consequência.
A disparatada política externa destrói a imagem do Brasil no mundo. Ameaça trazer o conflito do Oriente Médio para nossas fronteiras. Atenta contra a política com nossos vizinhos. Coloca em risco nossas empresas e nossos empregos. O mundo assiste perplexo à diplomacia presidencial se transformar na submissão dos interesses econômicos do Brasil a outros países, notadamente os Estados Unidos.
O Brasil é de todos. O Estado Democrático de Direito deve ser protegido por todos os segmentos políticos, empresariais, sindicais e populares
A democracia é que nos deixa conviver com nossas legítimas diferenças pessoais e nos permite sonhar com maior justiça social. Nenhuma ditadura serve mais ao Brasil. Acreditamos que a imensa maioria dos militares sabe disso. Pena que exatamente o presidente da República esteja em contradição com a nossa Constituição. Nesses 55 anos do golpe de 1964, em ato de verdadeiro amor pelo Brasil, proclamamos: Democracia Sempre, Ditadura Nunca Mais.
Fernando Haddad foi candidato à Presidência da República pelo PT; ex-prefeito de São Paulo (2013-2016) e ex-ministro da Educação (2005-2012, governos Lula e Dilma)
Flávio Dino é governador reeleito do Maranhão (PCdoB), no poder desde 2015; ex-deputado federal (2007-2011)
Guilherme Boulos foi candidato à Presidência da República pelo PSOL (2018) e militante da Frente Povo Sem Medo
Ricardo Coutinho foi governador da Paraíba pelo PSB (2011-2018) e é presidente da Fundação João Mangabeira, do PSB.
Sônia Guajajara foi candidata do PSOL à Vice-Presidência da República (2018) e líder indígena
Fonte: Portal Vermelho