Urariano Mota
Numa semana de graves notícias, da tentativa de golpe na Venezuela a pistoleiros que trabalham para o governo, recebemos a renúncia de Jean Wyllys a seu mandato.
O bravo político escreveu no seu Twitter:
“Ameaças e difamações orquestradas, especialmente em redes sociais, são reais e não podem ser simplesmente ignoradas, ou, como pede o senso comum, rotuladas como ‘vitimismo’. O discurso de ódio não pode ser minimizado. Ele é potencialmente assassino e tem produzido suas vítimas!”.
Da sua entrevista à Folha de São Paulo, destaco os trechos:
“Como é que eu vou viver quatro anos da minha vida dentro de um carro blindado e sob escolta? Quatro anos da minha vida não podendo frequentar os lugares que eu frequento?…
No dia em que ocorreu o eclipse lunar, aquele em que a Lua ficou vermelha, eu não podia descer porque eu estava ameaçado. Só podia descer com a escolta, e a escolta não estava lá. Uma coisa simples, um fenômeno no céu que eu não podia ver.
A violência contra mim foi banalizada de tal maneira que Marilia Castro Neves, desembargadora do Rio de Janeiro, sugeriu a minha execução num grupo de magistrados no Facebook. Ela disse que era a favor de uma execução profilática, mas que eu não valeria a bala que me mataria e o pano que limparia a lambança.
Na sequência, um dos magistrados falou que eu gostaria de ser executado de costas. E ela respondeu: ‘Não, porque a bala é fina’.
E me apavora saber que o filho do presidente contratou no seu gabinete a esposa e a mãe do sicário [ex-PM suspeito de chefiar milícia que é investigada no caso Marielle]. O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim”.
É uma entrevista verdadeira e histórica. As palavras de Jean Wyllys expressam a realidade do Brasil hoje sob o regime Bolsonaro. Escrevo “regime Bolsonaro” e quero dizer: o estado geral de fascismo que toma conta do governo, ministros e demais autoridades, como a impune e debochada desembargadora. Há um regime bolsonaro que toma conta até de menores, como alunos que, incentivados pela barbárie no alto, denunciam professores nas escolas e universidades, porque os educadores seriam doutrinadores comunistas.
Antes mesmo da recente campanha eleitoral, já se notava que o terror e Bolsonaro eram irmãos siameses. A relação de Bolsonaro com a crueldade e a mais absoluta ausência de valores humanos era clara. Pior e mais degradante: ele transformava o torto comportamento em ato natural, e fazia atitude cristã os atos que não se deviam dar à pessoa humana. Para ele e seguidores, a perseguição, assassinatos de inimigos políticos e diferentes era normal. Nas eleições de 2018, a simples presença desses bolsonaros já era sinal de que o Brasil entrava num abismo, que nos punha longe de qualquer civilização e humanidade.
Essa renúncia de Jean Wyllys a seu imprecindível mandato é uma prova de que a ofensiva contra o pensamento livre é de guerra. E a guerra contra a denúncia de crimes vem em hordas para todas as frentes, do congresso aos decretos presidenciais. Das escolas às universidades, dos crimes contra as minorias e trabalhadores à morte física e mudanças nas leis, os bárbaraos não mais estão chegando. Eles chegaram e querem destruir tudo que nos resta de humanidade.
É neste contexto que surge o decreto sobre as informações ultrassecretas. O que não é bem coincidência. Os dados cada vez mais incriminadores, indiscutiveis, da relação de Bolsonaro com as milícias estão em curso. E porque atingiriam o atual presidente, as informações sumiriam. As justificativas para a mudança realizam uma nova língua, aquela que foi prevista por George Orwell no livro 1984. É como uma novilíngua ou novafala, onde as palavras são o contrário do seu significado. Pela transformação do seu sentido histórico, o pensamento fica limitado e absurdo. Assim, a restrição do conhecimento de informações, a sua proibição pode ser feita por qualquer comissionado do governo. O nome para isso? “Diminuir a burocracia”. A investigação sobre contas bancárias, com indícios de corrupção, de parentes de autoridades deixa de ser feita. O nome? “Fiscalização geral, sem discriminação”.
Agora, mais do que nunca, percebemos o abismo em que se encontra o Brasil. Estamos, os intelectuais, artistas e professores, fazendo de conta que a vida está normal, enquanto caminhamos para a mais absoluta exceção animal. Aquilo que Joseph Conrad gravou para sempre, “o horror! o horror!” no romance O Coração das Trevas, ganha a realidade brasileira dos apoiadores do fascismo, de alto a baixo na sociedade. É necessário e urgente que escritores, jornalistas, artistas de todo gênero, professores, músicos, realizem o que mais sabem fazer em todos os campos, sem quartel: nas salas de aula, nos palcos, no cinema, nos shows, até nas redações dos jornais e de toda sorte de mídia mostrando à população o que representa o inferno do Brasil. Estão em jogo a sorte de toda a gente e nosso papel de tribunos, de educadores públicos, artistas dignos do seu povo.
Temos tudo a perder: arte, cultura, ciência, literatura, jornalismo, vida mais digna, expressão geral do pensamento livre enfim. Os bárbaros com sua ignorância e preconceitos medievais invadiram o Brasil. Tudo se entrelaça à renúncia de Jean Wyllys. Ou trabalhamos juntos em uma grande corrente de humanidade, ou teremos de aceitar crimes que são perfeitos pela impunidade.
* Urariano Mota é Jornalista do Recife. Autor dos romances “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “A mais longa duração da juventude”
Fonte: Vermelho.org