por Andre freire
Nosso país vive atualmente uma tragédia social e humana com a intensificação da pandemia. Terminamos abril com cerca de 6 mil mortos por Covid-19, levando em consideração apenas os dados oficiais. O sistema público de saúde está em colapso, ou bem próximo desta situação em várias capitais e muitos estão morrendo nas suas casas, sem sequer conseguir um mínimo atendimento médico.
Toda esta triste e cruel realidade contrasta com uma postura irresponsável e criminosa do atual presidente. O neofascista Bolsonaro e seu governo seguem realizando uma campanha sórdida e assassina que busca minimizar os efeitos da doença em nosso país, prometendo curas milagrosas mentirosas e defendendo uma flexibilização cada vez maior da política de distanciamento social, que já é parcial e vem caindo a cada dia.
A maior percepção sobre os crimes de Bolsonaro diante da pandemia, abriram uma nova conjuntura, onde assistimos o crescimento do sentimento de oposição a este governo em parcelas significativas da população e um maior isolamento político do projeto bolsonarista na superestrutura política.
Nas últimas duas semanas, aumentou significativamente a temperatura da crise política e institucional. Fatos como a demissão do ex-ministro da Saúde, Mandetta; a saída de Sérgio Moro, depois da decisão do presidente de demitir o Diretor-geral da Polícia Federal (PF); as recentes decisões do STF a favor da abertura de investigações contra Bolsonaro e anulando também a nova nomeação de um amigo dos filhos do presidente para a PF, entre outros elementos, colocaram em evidência o debate sobre a possibilidade de interrupção do atual governo.
Esta nova conjuntura veio aprofundar ainda mais os riscos às liberdades democráticas, com a nova versão das manifestações reacionárias bolsonaristas, agora com os eixos contra o isolamento social e mais nitidamente a favor de uma intervenção militar com Bolsonaro no poder. O bolsonarismo e seus aliados demonstram publicamente, como nunca, a sua estratégia golpista de fechamento do regime político atual.
Neste contexto, os movimentos sociais e os partidos de esquerda para defender a vida da maioria, os direitos sociais e às liberdades democráticas devem se unificar em torno da tarefa de derrubar o quanto antes o governo Bolsonaro. Mas, esta tarefa urgente, não é de fácil concretização, exige uma política justa, evitando erros – conscientes ou não – que podem nos desviar do melhor caminho para concretizá-la. O objetivo deste breve texto é discutir a necessidade de evitamos estes erros:
1. Abandonar a luta por salvar vidas
O primeiro erro a ser evitado, prioritariamente, é deixar de dar toda a importância para a luta em defesa da vida da maioria do povo brasileiro. A pandemia já significa uma ameaça terrível a vida, principalmente dos mais pobres. Mas, a política criminosa do governo aumenta seriamente os riscos de letalidade, que já assistimos hoje.
Nossa política, portanto, deve arrancar sempre da exigência do aprofundamento da política de isolamento social, junto com a defesa de estabilidade no emprego, salário integral e direitos para o conjunto dos trabalhadores. Da mesma forma, temos que exigir a ampliação da cobertura social para os trabalhadores desempregados e precarizados.
O dinheiro para garantir os investimentos sociais para combater os efeitos da pandemia e da crise econômica deve vir da suspensão imediata do pagamento dos juros e encargos da dívida da pública, da aplicação de um imposto progressivo sobre as grandes fortunas e heranças e do fim da política de isenção fiscais e transferência de recursos públicos para as grandes e bancos.
Ou seja, tudo o oposto que está sendo feito pelo governo Bolsonaro, a maioria reacionária e corrupta do Congresso Nacional e do Poder Judiciário. Para ficar apenas num exemplo absurdo, basta ver a enorme transferência de dinheiro público que consta na PEC 10/2020, a chamada de Orçamento de Guerra, em tramitação no Congresso.
2. Confundir desejos com a realidade
Ainda vivemos um período reacionário para a maioria do povo. Os governos, o Congresso e os empresários, inclusive, vêm utilizando a pandemia como uma desculpa para tentar avançar cada vez mais com a sua política de retirada de direitos, privatizações, ataques a soberania, entre outros exemplos.
Diante de todos os absurdos que estão sendo realizados por Bolsonaro e seus aliados, está em curso um movimento de ruptura política de parcelas significativas da população com este governo, especialmente entre os trabalhadores e a juventude. Este é o processo político mais progressivo na realidade atual.
É verdade que o governo vive seu pior momento, Bolsonaro está mais impopular e mais isolado politicamente. Mas, seria um erro completo assumir uma avaliação que o atual presidente é uma espécie de “carta fora do baralho”, ou ainda, que já tenha sido até derrubado por representantes da elite das forças armadas, que vem ocupando cada vez mais espaços no governo.
Bolsonaro segue sendo apoiado, infelizmente, por uma parte expressiva do povo (embora estes índices venham diminuindo); tem apoio de parte importante dos grandes empresários, se aproxima dos partidos do centrão no Congresso Nacional e segue sendo apoiado por parte significativa da cúpula das forças armada.
Portanto, segue sendo um inimigo muito perigoso. A tarefa de derrubá-lo não será nada fácil, e até por isso, deve estar no centro da estratégia de todas as organizações políticas e sociais que lutam e organizam os explorados e oprimidos.
3. Não enxergar as tendências em curso e perder oportunidades
Mas, com a mesma importância que devemos evitar o erro de cair num otimismo infantil, será um erro muito grave também não enxergarmos a nova conjuntura, e que o momento nos abre um espaço maior para discutirmos com a maioria dos trabalhadores e da juventude a necessidade de derrubar este governo.
É muito importante compreender a dinâmica da conjuntura política atual. Como se diz: “não ver apenas a fotografia, mas ver o processo como um filme”, ou seja, uma imagem em movimento.
Neste momento, renunciar a tarefa prioritária de realizar uma forte campanha pelo Fora Bolsonaro seria um grave erro político. Mais do que uma estratégia de médio prazo, a luta por derrubar este governo neofascista deve ser tarefa central e do momento dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda.
Portanto, o momento exige firmeza e ousadia. Adiar a luta pelo Fora Bolsonaro para eleições de 2022 é um erro ainda pior do que antes da eclosão da pandemia, da crise econômica e da atual crise política.
A luta por derrubar este governo é agora. Infelizmente, uma das piores consequências políticas da pandemia e do isolamento social, é a impossibilidade de tomarmos às ruas para defender a vida, direitos sociais, às liberdades democráticas e o fim deste governo.
Mas, mesmo não podendo realizar grandes manifestações populares neste momento, devemos preparar as condições de retomarmos às ruas assim que nos for possível. E, seguir e ampliar uma forte agitação política pelo Fora Bolsonaro nas redes sociais, um palco de luta política cada vez mais importante.
E, com a mesma importância, forjar e fortalecer uma verdadeira frente única dos explorados, dos oprimidos e da esquerda, para a apresentar nossa saída política, programática e de poder para o grave momento que vivemos.
Neste sentido, segue sendo mito importante que os movimentos sociais e os partidos de esquerda se unifiquem em torno da bandeira do Fora Bolsonaro. Avançando, inclusive, em iniciativas comuns, como a exigência da abertura do processo de Impeachment do governo Bolsonaro ou mesmo da instalação de uma CPI no Congresso que investigue de verdade e de forma mais transparente os crimes do atual governo.
4. Deixar de apresentar a nossa saída para a crise
Atualmente é bem nítida a luta de duas alas burguesas na política brasileira: de um lado, a extrema direita neofascista e seus aliados diretos, apoiando o projeto golpista do governo; e, de outro, a chamada velha direita tradicional, onde se destacam Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o PSDB, que estão com uma postura de mais conflitos com o governo, mas sem defender diretamente a sua saída. Essas duas alas se unificam em torno da política econômica de retiradas de direitos, privatizações e ataques a nossa soberania, capitaneada pelo atual ministro da economia Paulo Guedes. Mas, divergem do projeto bolsonarista de transformação autoritária e de fechamento do regime político atual.
Diante deste conflito, que é apenas parcial, é correto que a esquerda e os movimentos sociais aproveitem estas diferenças no campo do inimigo para construir ações concretas que busquem evitar o avanço do projeto ultra reacionário e autoritário que governa o país hoje. Portanto, se os setores da direita querem fazer ações concretas contra a escalada autoritária do bolsonarismo, devemos estar dispostos a construir a unidade de ação de caráter democrática.
Entretanto, seria um equívoco confundir a necessária unidade de ação democrática com uma aliança política com a velha direita, apresentada com o eufemismo de frente ampla. A consequência direta desta política de repetir alianças políticas e programáticas com os ditos setores progressivos da direita e da burguesia, é colocar o movimento dos trabalhadores, da juventude, os movimentos sociais e a esquerda a reboque do projeto político dos partidos da velha direita.
Não podemos esquecer que estes setores querem seguir e aprofundar os ataques aos direitos sociais e econômicos dos explorados e dos oprimidos, diante do momento de aprofundamento da pandemia e da crise econômica. Portanto, nossa prioridade deve ser a construção de uma verdadeira frente única dos trabalhadores e suas organizações, e não nos diluirmos num movimento político em conjunto com a chamada direita liberal.
Neste sentido, foi um grave erro da direção da maioria das centrais sindicais brasileiras convidar para o ato de primeiro de maio unificado (na internet) figuras como como Rodrigo Maia, FHC, Dória, Toffoli, Witzel, entre outros. O 1º de Maio, Dia do Trabalhador, é um momento privilegiado de afirmamos a saída política e programática da classe trabalhadora. Portanto, estes convites, além de errados politicamente, acabaram por dividir nossas inciativas, logo nesta data fundamental para nossa luta.
5. Apoiar uma eventual posse do General Mourão
Por último, mas não menos importante, nossa luta deve ser para derrubar o governo Bolsonaro de conjunto. É um grave erro que setores da esquerda, como a direção do PCdoB e parte da direção do PT, aceitarem desde já uma negociação que passe pela substituição de Bolsonaro por seu vice-presidente, o General Hamilton Mourão.
Não existem diferenças política qualitativas entre Bolsonaro e o General Mourão, ambos expressam nitidamente os movimentos políticos reacionários de extrema direita, que infelizmente ganharam protagonismo em nosso país na esteira do golpe parlamentar de 2016.
Devemos estar abertos a aplicação de todas as táticas políticas, judiciais e parlamentares, para tirar o mais rápido possível Bolsonaro do governo. Mas, não é papel da esquerda defender a posse de Mourão, afinal o general da reserva é cúmplice direto de Bolsonaro seja nos crimes eleitorais de 2018, na política criminosa diante da pandemia ou nos ataques golpistas e reacionários aos mínimos direitos democráticos.
Esta tem sido a posição construída e a proposta do PSOL. Nossa luta deve ser pelo Fora Bolsonaro e Mourão, combinada com a defesa da antecipação das eleições presidenciais, e que elas sejam minimantes democráticas e livres.
Andre freire é Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL
Fonte: publicado originalmente em Esquerda Online
O texto não reflete necessariamente a opinião do Planeta MG