Ações pedem que preconceito seja punido como racismo, com pena de um a cinco anos de prisão
Embora o Brasil seja apontado internacionalmente como um dos países que mais mata gays, lésbicas e trans no mundo, homofobia e transfobia não são consideradas crimes no país. Nesta quarta-feira 13 o STF (Supremo Tribunal Federal) dá início ao julgamento de duas ações para que este tipo de preconceito seja punido criminalmente.
Uma delas foi enviada à suprema corte pelo PPS (Partido Popular Socialista) e a outra pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). Elas pedem que o STF reconheça, em um primeiro momento, que a omissão do Congresso Nacional em legislar sobre a criminalização da homofobia e transfobia viola a Constituição Federal de 1988.
Se isso for feito, a suprema corte deverá estabelecer um prazo para que o Congresso faça a discussão, e indicar parâmetros jurídicos para a questão até que isso ocorra. Elas pedem ainda que a homofobia e a transfobia sejam consideradas crime de racismo, descrito na lei 7.716/89 com penas de um a cinco anos de prisão.
Homofobia e racismo
O advogado e representante das duas entidades, Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, afirma que as ações se baseiam em uma teoria do próprio STF de que racismo é qualquer ideologia ou conduta que pregue a inferiorização de um grupo social em relação a outro. Nesse caso, o crime seria enquadrado em uma lei já existente, sem a necessidade da formulação de uma nova.
O professor de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto e pesquisador das relações entre justiça e questões LGBT Alexandre Bahia, explica que a ideia defendida nas ações é a de que a violência específica (homofobia) que existe contra um grupo específico (LGBT) exige igualmente uma punição específica. Hoje isso não ocorre.
A tese defendida pelas ações acusam ainda o descumprimento do Brasil em acordos internacionais firmados com organizações como as Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Esses acordos determinam que os países são responsáveis por criar mecanismos próprios para a proteção dos LGBT contra a violência.
Segundo o relatório 2018 do Grupo Gay da Bahia, 420 pessoas LGBT foram mortas no Brasil. Desse total, 29% morreram por armas de fogo, 49% na rua e apenas 6% dos crimes tiveram criminosos identificados. O Disque 100, que recebe denúncia de violações aos direitos LGBT, contabilizou até junho de 2018 713 denúncias.
A metodologia utilizada para contabilizar casos de violência no Brasil é imprecisa, levando em conta que as entidades fazem levantamentos independentes e baseados no que foi veiculado na mídia.
Conjuntura política
O STF já assumiu o protagonismo, em outros momentos, de promoção da cidadania LGBT, como no caso casamento de pessoas do mesmo sexo e do direito de uso do nome social para pessoas trans. A conjuntura política e social era outra.
Para o professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Renan Quinalha, ainda não está clara quais são as relações do governo Bolsonaro com o STF, o que deve contar no resultado do julgamento.
Ele acredita que a tendência é que o Supremo indique a omissão do Congresso em legislar sobre o tema e determine parâmetros, mas não embarque na ideia de racismo social. O professor aponta ainda que o STF não é o local mais adequado para discutir o assunto, mas é hoje, em função da conjuntura política, o único espaço possível.
“O crescimento da bancada fundamentalista religiosa junto com um governo extremamente conservador, que usa a questão LGBT como espantalho moral para implementar a sua agenda, fez da Justiça a único refúgio de garantia dos direitos fundamentais. Agora vamos saber se o STF vai ter disposição ou não de comprar briga e afirmar a cidadania LBGT no Brasil”, afirma Quinalha.
Membros da bancada evangélica, entre eles o deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM), pediram uma reunião o presidente do Supremo, o ministro Dias Toffoli, para que a sessão seja adiada. Cavalcante afirmou que Toffoli fez um compromisso com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de que não pautaria nada que fosse assunto legislativo. O grupo do deputado defende que as ações interferem na liberdade de expressão religiosa. Advogados ligados ao religiosos devem falar hoje na sessão.
O que ocorrerá nesta quarta-feira é, portanto, o julgamento em si das ações, e não uma discussão prévia sobre o assunto, como no caso da ADPF 442, que discutiu em 2018 a descriminalização do aborto.
Fonte: Carta Capital/Giovanna Galvani*