Além do sofrimento humano, óbitos causam prejuízo bilionário – que deve se agravar com o fim do auxílio emergencial
Salvar vidas ou salvar a economia? Quase onze meses após o início da pandemia do novo coronavírus, os números deixam claro que tratava de um falso dilema.
A China, que ostenta a menor taxa de mortes por covid-19 entre os países com mais de 100 milhões de habitantes, apresenta uma recuperação econômica mais consistente que qualquer nação emergente ou desenvolvida.
Da mesma forma, países como o Brasil e os Estados Unidos, que lideram o ranking mundial de óbitos, se deparam com o aumento da pobreza e do desemprego e a diminuição no nível de consumo das famílias.
“Já havia estudos antigos, sobre a gripe espanhola, que mostravam essa mesma relação: quem controla melhor a pandemia e protege mais a vida dos seus cidadãos se sai melhor, do ponto de vista econômico. Porque perde menos gente, menos força de trabalho, potencial produtivo, e consegue mais rapidamente reorganizar suas relações econômicas”, analisa Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Os prejuízos não decorrem apenas do período em que estabelecimentos ficaram fechados para evitar a contaminação. A morte, em si, provoca impactos econômicos profundos na vida de milhões de famílias da classe trabalhadora – além da ruptura de laços e afetos, cujo valor é inestimável.
Esse quadro desolador foi demonstrado em um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), divulgado no último dia 24. A pesquisa aponta que as mortes de brasileiros a partir de 20 anos de idade enxugaram em R$ 5,1 bilhões a massa de renda potencial de suas famílias no período de um ano.
Para Mello, esse efeito deve perdurar e causará alterações significativas no mercado de trabalho.
Desemprego
O Brasil registrou, até esta terça-feira (26), 217,7 mil mortes em decorrência do novo coronavírus.
O professor da Unicamp chama atenção para dois cenários. O primeiro em que a vítima da covid-19 foi um aposentado ou pensionista que representava uma fonte de renda importante para sua família.
“Muitas famílias dependem das aposentadorias, do BPC [Benefício de Prestação Continuada] e outros tipos de benefício para comer”, enfatiza. Nesse caso, a tendência é que essas famílias sejam empurradas para a fome e a miséria, ainda mais com o fim do auxílio emergencial.
O segundo cenário analisado por Guilherme Mello são as famílias em que o provedor era uma pessoa economicamente ativa, empregada, que morreu após contrair covid-19. “O impacto, então, não é só na renda das famílias, como no potencial produtivo da economia. A economia perde potencial de crescimento tendo uma população economicamente ativa menor”, afirma.
Nos dois casos, uma das consequências imediatas é a mudança de planos, rotina e expectativas de outros membros da família que antes não tinham trabalho fixo.
“Quando a família perde uma pessoa que trabalhava, tinha salário, tinha renda, outras pessoas desse núcleo familiar se veem obrigadas a trabalhar”, diz Mello. “O cenário muda, e há uma necessidade de se procurar emprego, o que tende a pressionar a taxa de desemprego”.
O Brasil terminou 2020 com uma taxa de desemprego de 14,3%, mas o número oculta os milhares de trabalhadores que deixaram de procurar emprego na pandemia.
Crise global
Assim como os problemas sanitários não se restringem ao Brasil, a crise econômica aprofundada pela pandemia impacta em quase todos os países.
Segundo dado divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) na última segunda-feira (25), foram perdidos cerca de 255 milhões de postos de trabalho em 2020.
No mesmo dia, um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que, se a produção de vacinas nos países em desenvolvimento continuar no ritmo atual, as economias desenvolvidas sofrerão prejuízos de até US$ 2,4 trilhões, o equivalente a R$ 13,13 trilhões devido aos impactos no comércio global e nas redes de suprimentos.
Ainda assim, Mello lembra que os efeitos da crise terão menor intensidade em países onde a rede de proteção social é mais ampla.
“No caso do Brasil, a quantidade de pessoas e famílias vulneráveis – no limiar da pobreza – é muito grande. Então, o impacto em países tão desiguais quanto o nosso, com tantos trabalhadores na informalidade, é maior”, diz o economista da Unicamp, lembrando que desde 2015 o país apresenta índices elevados de desemprego e subemprego.
Para mitigar esses impactos, o professor da Unicamp interpreta que o investimento em um amplo programa de vacinação deve ser a prioridade do governo brasileiro. “Não só para a saúde, mas para a economia: não há volta para as atividades sem vacinação”, ressalta.
A prorrogação do auxílio emergencial para as famílias mais pobres, embora se mostre necessária, “não resolve a situação porque os efeitos são mais duradouros, alterando toda a dinâmica do mercado de trabalho.”
Conforme alertado até pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a adoção de políticas de corte de investimentos públicos pode aprofundar a recessão, que não se expressa apenas na queda do Produto Interno Bruto (PIB). Cerca de 770 mil micro e pequenas empresas fecharam as portas desde o início da pandemia, e dois terços dos consumidores brasileiros terminaram o ano endividados.
Fonte: Brasil de Fato